O cordel da reforma agrária, de Medeiros Braga
Narração:Carmem Imaculada de Brito
O cordel da reforma agrária, de Medeiros Braga
Como disse Bertold Brecht
Em lições claras, atentas:
“As águas que fazem o rio
Não são em si turbulentas,
Mas, as margens que comprimem
É que tornam violentas.”
Já dizia Patativa
Nos seus versos sem zum-zum,
Que essa terra é desmedida
E devia ser comum,
Devia ser repartida
Um taco pra cada um.
Há mais de cinqüenta anos
Protestava já de pé
A ganância pela terra
Dos homens de pouca fé,
Num cantar de patativa,
Patativa do Assaré.
Consumido pelo tempo
Meio século se passou,
Ficou o campo deserto,
A cidade, então, inchou
E a relação social
No país se complicou.
O Brasil está quebrado,
Falta desenvolvimento,
O desemprego caminha
E faz do homem o fermento
Do processo que resulta
No mundo mais violento.
Ontem filmes que nós víamos
De bandido e de terror
Assistimos, hoje, ao vivo
Indignados do horror
Das cenas que, tão chocantes,
Passam no televisor.
Crianças abandonadas,
Tratadas de formas cruas
Feitas são em prostitutas
Maquiadas, quase nuas,
Outras, pivetes que cheiram
Entorpecentes nas ruas.
O poder preocupado
Em manter o capital
Longe do risco, da crise
Em escala universal
Fecham os olhos, adormecem
Ante à questão social.
Ele bem que poderia
Numa ação prioritária,
Em respeito ao compromisso
Feito com a classe operária,
Sem o neoliberalismo,
Fazer a reforma agrária.
Fazer a reforma agrária
É por um ponto nos is,
É tomar a decisão
Que o povo sempre quis
E sempre achou necessária
Aos problemas do país.
Foi feita a reforma agrária
Por toda América Latina,
Há mais de século no México
E por toda área andina:
Bolívia, Venezuela,
Peru, Chile, Argentina…
Porém, aqui no Brasil
Sempre ao povo foi negada,
Somente com João Goulart
Pôde ser reivindicada
Pelas Ligas Camponesas
Para ser logo implantada.
Porém, um golpe de Estado
Seguido por ditadura
Depôs o seu presidente,
Criando nova estrutura
O que levou a reforma
Agrária pra sepultura.
No entanto, o movimento
Tava bem organizado,
Pois, as Ligas Camponesas
Fazia o trabalho ousado
De educar operários
Do Nordeste em cada estado.
Em Pernambuco a figura
De Francisco Julião
Se tornou numa legenda
Quando com disposição
Levava aos trabalhadores
A coragem e a lição.
O Engenho Galiléia,
Vitória de Santo Antão,
Estado de Pernambuco,
É símbolo de insurreição
Que lembra a luta da terra
Com Francisco Julião.
Falar em reforma agrária
Jamais se deve esquecer
As prisões, torturas, mortes
Que puderam acontecer
Aos que tinham a ousadia
De dar um não ao poder.
E se de um lado assustava
Pelas ações de terror,
Por outro o regime tinha,
Pra poder se contrapor,
O Estatuto da Terra
Ligado ao trabalhador.
Mas durante vinte anos
Não foi feito quase nada,
Na verdade, o estatuto
Veio pra manter controlada
A fúria dos camponeses,
Sua luta organizada.
Veio a Nova República
Que nada trouxe de novo,
Todos os seus presidentes
Foram um engodo, um estorvo
Às promessas, compromissos
E às esperanças do povo.
Mais de vinte anos e vai
O povo em pior estado,
Só o que houve de bom
Em tudo que foi criado
Foi o forte Movimento
Dos Sem-Terra organizado.
Dizem do MST,
Mesmo sem lhe querer mal,
Que há momentos de luta
Em que ele é radical,
Sem querer compreender
Os métodos do capital.
Como disse Bertold Brecht
Em lições claras, atentas:
As águas que fazem o rio
Não são em si turbulentas,
Mas, as margens que comprimem
É que tornam violentas.
Se feita a reforma agrária
Se sela um acordo de paz,
Se acaba a briga no campo
Contra multinacionais,
Latifúndios ociosos
Com seus crimes sociais.
Sumirão todas milícias
De fazendeiro e grileiro,
As penosas ocupações
Pelo solo brasileiro,
Os confrontos militares
Por vezes contra posseiros.
Ficarão Corumbiara
E Eldorado dos Carajás
Na mais amarga lembrança
Que não deve apagar mais,
Pois, a mancha rubra mostra
A barbárie logo atrás.
Que a história nunca apague
Todos crimes perpetrados,
O nome daqueles líderes
Na luta dos explorados,
Os mártires leais que foram,
Cruelmente, executados.
Que o MST
Na luta contraditória,
E mirando o objetivo,
E seguindo a trajetória,
Preencha com seu suor
Essa lacuna da história.
Que procure unir o campo
E convencer a cidade
Numa luta imprescindível
Para uma sociedade
Que quer um mundo melhor
Para toda humanidade.
A reforma agrária vem
Em prol do setor urbano,
Se a renda no campo cresce
Também cresce mês e ano
A procura por produtos
Da indústria, sem engano.
Com isso cresce a oferta
De empregos industriais,
De comércio, outros serviços
Que passaram a vender mais;
Multiplicador de empregos
Como está nos manuais.
A reforma agrária é boa
Pra melhorar a gestão
Dos municípios, estados
E até mesmo da nação
Que não terá as doenças
Causadas por inanição.
Com uma reforma agrária
Vai desinchar a cidade,
E os gastos com segurança
Pela marginalidade
Também serão reduzidos
Conforme a tranqüilidade.
Vai reduzir nas cidades
Os riscos com moradia,
Com casas feitas de tábua,
De papelão, lataria,
Uma afronta ao ser humano
Lá jogado, à revelia.
Com muita gente no campo,
Tendo emprego e o que comer,
Muitas doenças endêmicas
Irão desaparecer,
Também reduzindo custos
E os trabalhos do poder.
A reforma agrária é boa
Para as organizações,
Um processo imprescindível
Para a vida das nações,
Que ditarão democráticas
As próprias populações.
Com um povo organizado
Como estão hoje os sem-terra,
Com exemplo de gestão
Que transparente se encerra,
Sentirão os desonestos
Perder a batalha e guerra.
Com o povo dominando
Conhecimento e saber
O país vai avançando
No sentido de vencer
Maus costumes com raízes
Nas entranhas do poder.
A reforma agrária é boa
Para o homem e a natureza
Porque vai poder plantar
Dando mais verde e beleza
Sem agredir sua fauna,
Sem causar mais avareza.
Com a terra posta à mão
Do pequeno produtor
Os alimentos da terra
Voltarão a ter sabor,
A ser saudáveis à vida,
A ser mais puro em teor.
Mas, o governo se curva
Ao poder dos ruralistas
Negando a reforma agrária
Necessária e realista
Para agradar os dois lados
Com argumentos sofistas.
Aquela reforma agrária
Que foi de público acertada,
Fazem tudo os ruralistas
Pra que seja escanteada,
E a verdade é que o governo
Não tem feito quase nada.
Foi substituída
Por programas sociais,
Moradia, luz no campo,
Outros assistenciais,
Como a água e a saúde
Que ajudam a viver mais.
Mas, por o homem no campo
Como centro da questão,
Isso não vem sendo feito
Com a devida precisão…
Quando muito à conta-gota
Pra conter a insurreição.
Nem os casos quilombolas
Que tanta injustiça encerra,
Homens que mais se parecem
Sobreviventes de guerra,
Não foram ouvidos, nem dado
A garantia da terra.
Enquanto isso, no campo
A grilagem continua,
A prática do escravismo,
A violência mais crua,
A agressão ambiental
Na flora se perpetua.
Da forma como se encontra
Concentrada a produção,
Com uso de agro-tóxicos,
Com transgênicos em ação,
É posta a vida em ameaça
De toda população.
Dos transgênicos, até hoje
Nada ficou constatado
Se pode ser cancerígeno
Se saudável e do agrado,
Pois, só do lucro se sabe
Que foi fácil confirmado.
A União Européia
Constatou, recentemente,
O milho contaminado
A partir da sua semente
E proibiu ser plantado
Pelo vasto continente.
É o mínimo que um governo
Com responsabilidade,
Diante duma ameaça
À vida, por enfermidade,
Pode e deve, então, fazer
Por uma sociedade.
Os pequenos produtores
Usam a boa adubação
Com sua matéria orgânica
Posta em decomposição,
Ou esterco de galinha
Que mais torna fértil o chão.
A vida no campo é bela
Não há nem comparação,
A família que produz
Tem da verdura ao feijão,
Tem um ar pra respirar
Sem a menor poluição.
A vida começa bela
No campo, já madrugada,
Com o belo canto do galo
E o cantar da passarada
Na madrigal sinfonia,
Magistralmente, tocada.
27 de novembro de 2007
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Edição e Divulgação: Frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs, do CEBI, do SAB e da assessoria de Movimentos Populares, em Minas Gerais. Acompanhe a luta pela terra e por Direitos também via www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com www.cebimg.org.br – www.cptmg.org.br – www.cptminas.blogspot.com.br
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