Poema para a catástrofe do nosso tempo, Alberto Pucheu (Fragmento 4)
Narração: Carmem Imaculada de Brito
Poema para a catástrofe do nosso tempo, Alberto Pucheu (Fragmento 4)
REVISTA CULT 15/05/2020
Compartilhando vozes, afetos
e feitos na recusa de sermos
destroçados, guardo
testemunhos, notas, notícias
e percepções diárias da destruição
para estarmos, mais uma vez,
juntos, para atravessarmos o dia,
os meses, os anos de tantas dores
e desencontros, para não deixarmos
o esquecimento, mais uma vez,
nos assolar. Talvez eu seja aqui
um termômetro do choque da frieza
violenta da perversão contra
o calor de todos aqueles que,
ardendo em febre, sofrem. Talvez
eu esteja aqui longe de um poeta
em busca da afirmação de um estilo,
de consolidá-lo por sua repetição ou,
enfim, do cansaço dele e da busca
de sua superação – questões, hoje,
para mim, demasiadamente
pessoais, individuais –, talvez eu esteja
aqui com você, com vocês, com um outro,
com outros, ainda que poucos, em busca
de uma intervenção, pequena que seja,
ou mesmo que não seja, mas
apontando para essa direção
como muito do que tenho tentado
fazer. Talvez eu assuma aqui
diversos pontos de vistas, inclusive,
os de meus piores inimigos, desde
os quais também falo para tentar retirar
suas armas, desarmá-los, ao expô-las.
Do meu lado, sem me preocupar tanto
com acertos e erros, eu, que,
praticamente, só tenho a escrita
para lutar, eu insisto. Eu insisto
no que me é necessário, eu insisto
no impossível e na insistência,
eu insisto na necessidade do impossível
da insistência. Eu insisto nisso
que o meu tempo requer. Aqui,
escrevo, talvez, como Josefina,
com minha voz se confundindo
com as vozes de uma incerta
comunidade, com as vozes
de um povo incerto que está
por aí, com as vozes
de uma imaginação pública,
com minha voz praticamente
se confundindo com outras
vozes quaisquer que me tomam.
Que essas vozes quaisquer
se confundam em mim
com outras que se destacam,
mas que igualmente me tomam
em uma superposição de vozes
para mim necessária. Não me
furtando ao que considero
a honestidade de pensar
o nosso tempo em meio
aos tenebrosos acontecimentos
pelos quais passamos, talvez
eu esteja, aqui, como
um cartógrafo do nosso tempo,
como um meteorólogo
dos acontecimentos do nosso tempo,
como um historiador das falas
de um presente a criar um antimuseu,
um ainda não museu, um menos
que museu, a criar um antimonumento,
um ainda não monumento, um menos
que monumento, alguns resquícios
de lampejos de uma memória
em movimento do nosso tempo,
sabendo que amanhã não será
um dia melhor do que hoje, que não é
um dia melhor do que ontem.
Àqueles que insistem em perguntar
para quê poetas em tempos
de coronavírus?, àqueles que insistem
em perguntar para quê filósofos
em tempos de coronavírus?, àqueles
que insistem em perguntar
para quê poetas e filósofos em tempos
de Bolsonaro e coronavírus?, àqueles
que há poucos dias insistiam
em dizer que não deve haver
investimentos em ciência
no país, que tudo deveria ser
importado, mas que agora
estão se borrando de medo
por não haver testes
nem vacinas para o vírus,
nem ventiladores pulmonais
nos leitos dos hospitais, nem
leitos disponíveis nos hospitais,
nem nos hospitais particulares,
e que estão seguindo à risca
a recomendação dos cientistas,
ou àqueles que seguem
não levando a ciência em conta
e, claro, tampouco, muito menos,
a poesia e a filosofia (ainda que leiam
a Bíblia cotidianamente), àqueles
que seguem fazendo carreatas
em favor da pandemia, que seguem
dançando morbidamente com caixões,
àqueles que, assustadoramente,
não conseguem olhar minimamente
para o outro nem para o real, àqueles
que acham que você só deve
se preocupar com o que está
a um palmo do nariz, se tanto,
ou somente com o próprio
nariz, àqueles que infelizmente
não conseguem ler minimamente
o que se passa, saibam que vocês
estão no mundo em companhia
de pessoas como Alexander
Lukashenko, presidente
da Bielorrússia, de Gurbanguly, ditador
do Turcomenistão, Daniel
Ortega, presidente da Nicarágua,
John Magufuli, o presidente
da Tanzânia, que pediu ao povo
que rezasse pois o vírus
“não pode sobreviver
no corpo de Cristo”, e, claro,
de Jair Bolsonaro, o pior
dos homens, o populicida
em quem vocês votaram neste país
que luta (parece que em vão)
para se livrar de toda essa ignorância
que vocês insistem em querer
preservar para vocês e para o país.
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Edição e Divulgação: Frei Gilvander Moreira, da CPT, das CEBs, do CEBI, do SAB e da assessoria de Movimentos Populares, em Minas Gerais. Acompanhe a luta pela terra e por Direitos também via www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com www.cebimg.org.br – www.cptmg.org.br – www.cptminas.blogspot.com.br
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