XI Domingo Comum (Mt 9,36-10,8): Discipulado de Jesus na cura do mundo doente. Por Marcelo Barros

Neste XI Domingo comum do ano (A), o evangelho lido nas comunidades católicas e algumas evangélicas (Mt 9,36 a 10,8) nos conduz a um ponto central no evangelho de Mateus. Trata-se de como Jesus escolhe os seus discípulos, quem são eles e como Jesus os/as envia ao mundo para curar as feridas da humanidade. O ponto de partida é um olhar de compaixão, que, no original grego, significa “amor das entranhas” de Jesus sobre a realidade do mundo e das pessoas. Na Bíblia, o ponto de partida da fé judaica é o livro do Êxodo. Ali, está escrito que Deus se manifestou na sarça ardente e diz a Moisés: “Eu vi e ouvi a opressão e sofrimento do meu povo que está no cativeiro e desci para libertá-lo” (Ex 3,7). No evangelho que lemos hoje, do mesmo modo que Deus no Êxodo, também Jesus vê a situação do povo e tem suas entranhas tomadas de compaixão, isso é, de solidariedade amorosa. O termo é o mesmo usado para falar do útero das mulheres, o que nos faz contemplar uma dimensão feminina em Deus e no próprio Jesus. E essa dimensão feminina se expressa pela opção política da solidariedade libertadora da compaixão divina.
Na sua primeira parte, o evangelho mostra como as multidões correm para Jesus. As pessoas o buscavam para serem curadas de doenças, para serem libertadas de qualquer energia negativa que, na cultura da época, era considerada um espírito mau. Jesus revelava a todos uma visão de Deus como mãe que cuida dos filhos e filhas. Ele confirmava que todas aquelas pessoas que a religião do templo considerava impuras por serem doentes eram as pessoas prediletas do Amor Divino.
De repente, diz o evangelho, o movimento se inverte. Antes, era o povo que buscava Jesus. As multidões se dirigiam a ele, em busca de ajuda e o seguiam. Agora, o movimento é o contrário. É Jesus que decide não ir diretamente ao povo, mas enviar os discípulos. O centro do evangelho agora é a realidade do mundo. Se antes as pessoas eram atraídas para Jesus e o seguiam, a partir desse momento, não são mais as multidões que seguem Jesus. É Jesus que se volta para o povo e quer, através dos discípulos, olhar a vida das pessoas e transformar a realidade do mundo. A realidade do povo carente é o foco principal e definitivo da boa notícia do reinado divino no mundo. Essa é a missão que Jesus dá aos discípulos e discípulas. Esse é o evangelho de hoje: ser discípulo/a de Jesus é ter os seus olhos fixos nas pessoas carentes. Como seria importante que nossas Igrejas percebessem isso: ser discípulos e discípulas de Jesus é ter os olhos fixos nas pessoas marginalizadas e carentes.
Para dizer isso, a primeira imagem que Jesus usa é a da colheita nos campos. Em tempo de colheita, não se pode esperar. Ou se colhe rapidamente ou se perde tudo. E Jesus diz isso em sua oração ao Pai: está na hora da colheita e há poucos operários. Manda trabalhadores para a tua lavoura. Os trabalhadores são enviados do Pai. É o Pai quem manda. E manda para a colheita da lavoura no mundo.
Uma leitura fundamentalista, tanto católica, como evangélica, identifica a lavoura de Deus com o trabalho religioso da Igreja. A colheita seria conquistar pessoas para a Igreja. Quem interpreta deste modo, confunde missão com proselitismo. Quando Jesus envia os discípulos em missão não faz referência a nada religioso. Não fala em templo, cultos ou sacrifícios. A preocupação dele é curar doenças, libertar as pessoas das energias negativas (espíritos maus) e testemunhar o projeto de mundo como Deus quer que o mundo seja.
Para isso, depois de ter pedido ao Pai que mande trabalhadores para a sua colheita, Jesus chama doze pessoas a serem enviadas. No grego, o termo enviado é apóstolo. Ao chamar os doze, ele os reconhece como enviados do Pai. A tradição judaica diz que doze foram os filhos de Jacó que deram origem às tribos de Israel. Na Bíblia, doze indica um conjunto do povo. Doze significa todos nós, chamados e enviados ao mundo para testemunhar o projeto divino no mundo. Quando Lucas conta esse mesmo fato do envio em missão, diz que Jesus chamou doze apóstolos, mas os discípulos e discípulas eram 72. E inclui algumas mulheres. Em nossos dias, o papa Francisco determinou que a Igreja Católica celebrasse Santa Maria Madalena com o título oficial de apóstola, tal qual os doze homens que Jesus chamou. Portanto, é normal que, nós todos, mulheres e homens, exijamos o direito sagrado das mulheres terem pleno acesso aos ministérios ordenados na Igreja.
Seria, ao menos um primeiro passo no sentido do mais justo e correto que seria superar essa distinção entre ordenados e não ordenados/as e voltar ao Cristianismo original que só tinha um sacramento da ordem: o batismo. Era o mergulho pleno na consagração ao serviço do povo oprimido).
A primeira coisa que quem quer ser discípulo de Jesus tem de aprender dele é o modo de olhar para as pessoas do povo: com olhar compassivo e solidário. O discipulado que Jesus propõe é fazer com que o centro de nossas vidas e de nossa ação seja o outro, principalmente as pessoas carentes e sofredoras.
Em seu comentário ao evangelho de Mateus, Sandro Galazzi explica: “Neste texto do evangelho, a menção às multidões tem clara conotação política: ovelhas sem pastor. É a imagem apropriada para indicar a dispersão, desorganização, falta de vida comum. É multidão, mas ainda não é povo (organizado). É justamente o contrário do povo: é ajuntamento, mas cada um enxerga por si, busca seu pasto, quer sua salvação. Hoje, é preciso superar a imagem de sociedade que nos vem desta página e que reflete a concepção política da época. Hoje, pensar em povo como ovelhas guiadas por um ou mais pastores soa como antidemocrático, fascista e muito eclesiástico – se bem que a tentação messiânica de se achar um pastor que dê jeito na situação ainda esteja bem presente na prática política das multidões”. (Galazzi, S., O evangelho de Mateus, Fonte editorial, 2012, p. 115).
A missão de Jesus não se detém nos templos ou paróquias. Preocupa-se com a vida do povo e nos manda curar as doenças e libertar as pessoas das energias do desamor e da morte. O classismo e racismo, revelado em tantos episódios ocorridos cada dia em torno de nós mostram que temos de retomar a missão compassiva de Jesus para curar este mundo doente.