Carta Aberta dos Povos Ribeirinhos, Agricultores, Pescadores, Extrativistas que vivem nos lagos, igarapés e paranás do Beiradão do rio Madeira, de Humaitá e Manicoré, sul do Amazonas

Carta Aberta dos Povos Ribeirinhos, Agricultores, Pescadores, Extrativistas que vivem nos lagos, igarapés e paranás do Beiradão do rio Madeira, de Humaitá e Manicoré, sul do Amazonas.

Nós, Povos Originários e Comunidades Tradicionais, Guardiões da Floresta Amazônica, que vivemos nos lagos, igarapés, paranás do Beiradão no Rio Madeira em áreas de várzea e terra firme, do município de Humaitá e Manicoré, sul do Amazonas, estivemos reunidos no curso de formação Bíblia e Ecologia, da Área Missionária da Diocese de Humaitá, durante os dias 25 a 27 de abril de 2024, com a presença das lideranças comunitárias dos setores (nomes XXXXXX), das organizações não governamentais e núcleos de pesquisa: CPT[1] de Rondônia, CEBs[2] e CPT de Minas Gerais, Cáritas da Diocese de Humaitá e Núcleo de Estudos de Políticas Territoriais na Amazônia da UFAM[3]. Queremos denunciar que nosso modo de vida, nossa cultura tradicional ribeirinha desde tempos ancestrais, além de nossos direitos à terra e ao território, à educação, à saúde e ao meio ambiente saudável estão sendo ameaçados.

Com a implementação dos grandes projetos governamentais como o Usina Hidrelétrica (UHE) Santo Antônio e Jirau, o rio Madeira piorou muito. As mudanças climáticas estão nos atingindo diretamente, com eventos extremos nunca vistos antes. Em 2014 enfrentamos uma grande enchente que destruiu muitas comunidades ribeirinhas em todo o Beiradão; em 2023 tivemos uma grande seca que impediu a comercialização de nossos produtos e aumentou ainda mais as dificuldades de viver, de estudar, de nos deslocarmos das comunidades para a cidade.

Com o rio Madeira ameaçado, nossa vida também está ameaçada, pois é do rio Madeira que tiramos nosso sustento, mata nossa fome e nossa sede.  É o nosso caminho! É nossa estrada! Toda mudança nos atinge. Secando o rio, seca nossos territórios, mata os peixes, impede os peixes de procriarem, mata nossos povos de fome, prejudica nossa cultura de vazante, prejudica nosso solo. Essa situação tem obrigado muitas famílias a se sentirem inseguras e abandonarem suas terras, tentando sobreviver com muitas dificuldades nas periferias da cidade.

Nossa juventude está com a continuidade de seus estudos prejudicada, pois o ensino médio, que é realizado via mediação tecnológica em alguns locais ainda não começou neste ano de 2024. Por uma série de questões, como a falta de transporte dos jovens para as comunidades polos, falta de merenda, mas a principal é a falta de professores que residam nas comunidades. Essa situação tem contribuído para a evasão escolar e deslocamento forçado das famílias para cidade em busca de escola para seus filhos.

Por conta disso, nos preocupamos com essa realidade, pois coloca em risco a nossa existência enquanto comunidades tradicionais ribeirinhas do Beiradão, lagos e igarapés do rio Madeira. Nossos direitos estão sendo violados, sobretudo, porque a educação escolar é direito constitucional, que está nos sendo negado. Vivemos ainda uma generalizada falta de informações, temos conhecimento de nossos direitos, mas estamos em  insegurança jurídica em nossos territórios.

Não temos incentivo à produção, não conseguimos ter acesso a nenhum tipo de financiamento. Muitas famílias, sem alternativas, são obrigadas a irem para garimpo e lamentam profundamente os modos como o governo federal tem agido, inclusive causando danos ambientais muito perverso quando explodem as pequenas balsas das famílias, cobertas de palha e lona, locais onde muitos residem com suas famílias, e com o ateamento de fogo nelas tiveram seus destroços jogados no rio, lagos e igarapés. Política de repressão para questão social é injustiça.

Destacamos que muitas famílias vivem perto do rio e não têm acesso a água potável, pois o rio Madeira já apresenta índices graves de contaminação de mercúrio, conforme dados das Universidades Públicas e Institutos de pesquisa. Além da existência de comunidades que não tem acesso a água potável;

Precisamos de mais presença do governo com políticas públicas que levem em consideração nossas realidades, como:

– Apoio à comercialização dos produtos da agricultura familiar;

– Apoio à regularização e formação de associações nas comunidades ribeirinhas;

– Saneamento básico nas comunidades à beira do rio;

– Dragagem (limpeza do rio) na época da seca;

– Projetos de reflorestamento;

– Construção de poços artesianos;

– Recuperação da mata ciliar;

– Campanha para utilização racional do uso da água;

– Incentivo da agricultura orgânica e a uso de produtos florestais, não madeireiros, como óleos essenciais, castanha, açaí, copaíba, andiroba.

– Remuneração dos ribeirinhos pelo trabalho de preservação da floresta amazônica.

Humaitá, AM, 10 de maio de 2024.


[1] Comissão Pastoral da Terra.

[2] Comunidades Eclesiais de Base.

[3] Universidade Federal do Amazonas.

Obs.: Abaixo, a Carta Aberta dos Povos Ribeirinhos, em pdf, com timbre da Diocese de Humaitá.

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