“AINDA TEM SANGUE SECO NAS PAREDES” – Por Sol Barreto

 “AINDA TEM SANGUE SECO NAS PAREDES” – Por Sol Barreto[1]

Belo Horizonte, 4 de abril de 2025 Ocupação pelo Memorial dos Direitos Humanos MG Av. Afonso Pena, 2351, Belo Horizonte – MG

Av. Afonso Pena, 2351

Passando pela calçada você pode até achar que esse é um prédio comum.

Ainda tem sangue seco na parede

Nesse espaço que se estende até a esquina,

Ergueu-se do chão a mando do Estado

Um monumento de Dominação.

São 3 andares pra cima e um subsolo de terror

E lá no fundo, no cantinho do estacionamento

Uma salinha de configuração esquisita

Com bancos de pedra, uma sauna quente e um poço de água gelado

Seus elementos não deixam dúvida

Que ali entrou gente viva que nunca mais saiu

Ainda tem sangue seco nas paredes

Nesse prédio, construído ao estilo modernista que questionava o conservadorismo da arquitetura, existe um conservadorismo entranhado:

O seu subsolo é feito de celas, solitárias e sala de tortura.

Aqui em cima, o Sol se põe as seis e meia,

Lá embaixo ele já foi embora antes das quatro.

Atrás desse mural de pastilhas, mural construído por Haroldo Mattos

Está uma das ferramentas de violência do Estado mais desesperadoras que eu já vi na minha vida.

Atrás desse mural, existe uma sala

Dividida por uma parede.

Nessa parede, uma janela nos permite a visão.

Quem entra nessa sala pela porta da frente encontra um ambiente acusticamente isolado.

Quem entra pela passagem de trás, que conecta a prisão, sabe-se lá que crueldade irá encontrar.

Nesta sala tem Sangue Seco nas Paredes.

2025

Ainda tem sangue seco nas paredes.

De Quem é esse sangue?

Quem deixou essa marca de sangue na parede?

A Pessoa que deixou essa marca de sangue na parede saiu daqui?

A Pessoa que deixou essa marca de sangue na parede chegou em casa?

E reencontrou seus familiares?

O que aconteceu com essa Pessoa que deixou a marca de sangue na parede?

Os Algozes nós já sabemos que seguem por aí, aproveitando a possibilidade de nos assistir sofrer, dentro de suas cabines acusticamente isoladas.

E as Pessoas que deixaram essas marcas nas paredes?

Será que estão aqui ocupando hoje?

Será que tive a sorte de conhecê-los?

Será que é o Senhor Guarani, que veio aqui

Estava aqui os quatro dias da ocupação,

Foi preso aqui e retornou pra conquistar esse lugar de novo?

Ou seus Companheiros, assassinados, desaparecidos?

Não importa quantas camadas de tinta,

Não importa se trocar todas as pedras do concreto.

A Água que escorre da Chuva, tinge o Solo da Cidade de Vermelho.

Essa História é nossa, Esse Prédio é nosso,

Esse Sangue na Parede, também é Nosso.

A gente não pode esquecer do Sangue Seco na Parede! Não tem tinta que pode cobrir o Sangue na Parede! Não adianta derrubar o Prédio!

O Sangue Seco na Parede ainda vai estar lá.

É impossível apagar essa história. O que é possível é garantir um futuro em que nosso sangue siga vivo e vibrante dentro de uma sociedade que nos quer e nos preserva, assim como nós queremos e exigimos a preservação de cada pedra desse Prédio, da Antiga Sede do Dops/MG, construído na Av. Afonso Pena, 2351, em Belo Horizonte.

“Ainda tem sangue seco nas paredes”


[1] Texto produzido por Sol Barreto, baseado na Visita Mediada conduzida por Beatriz, do Movimento União da Juventude Rebelião (UJR), em 03/04/2025 na sede do antigo Dops/MG localizado na Av. Afonso Pena 2351, Belo Horizonte. MG; e na dissertação “Disputas em torno do Dops/MG: Guerra de Narrativas, memorialização e patrimonialização (1989-2018)”, de Débora Raiza Carolina Rocha Silva (Belo Horizonte, 2018).

Sol Barreto (contatosolbarreto@gmail.com ) é artista independente, residente em Belo Horizonte, compõe o Bloco ClandesTinas e o Movimento Autônomo Trans (MovaT).

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