Atuação das Irmãs Dominicanas deságua na luta pela terra: ética, política e direito?
Frei Gilvander Luís Moreira[1] (Artigo publicado na Revista ANNALES – ISSN 2526-0782 – V. 2 N. 2 (2017), p. 169-176).
RESUMO: Pretender-se apresentar aqui nesse X Colóquio Vaziano um pouco da presença e atuação das Irmãs Dominicanas de São Romão em Salto da Divisa, na região do Baixo Jequitinhonha, MG e mostrar como a atuação ética e política delas desaguou na luta pela terra, resultando na conquista de dois Assentamentos no município de Salto da Divisa: Assentamento Dom Luciano Mendes de Oliveira e Assentamento Irmã Geraldinha, e em um Acampamento, o Ouro e Prata, com cerca de 70 famílias acampadas na luta pela terra.
PALAVRAS-CHAVE: Irmãs Dominicanas. Luta pela terra. Reforma agrária.
Ao ser convidado para participar do X Colóquio Vaziano, na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, MG, com o tema: “ÉTICA, POLÍTICA E DIREITO: urgência e limites”, dias 18 e 19 de maio de 2017, recordei-me imediatamente da minha Tese de Doutorado, defendida na FAE/UFMG, dia 05 de maio último, com o tema: “A luta pela terra em contexto de injustiça agrária: pedagogia de emancipação humana? Experiências de luta da CPT e do MST”, porque ao pesquisar o tema da luta pela terra enquanto pedagogia de emancipação humana, necessário tornou-se abordar várias vezes questões éticas, políticas e de direito. Por ser a FAJE uma Faculdade com significativa presença de seminaristas, freis, freiras e agentes de pastoral, optei por apresentar aqui nesse X Colóquio Vaziano um pouco da presença e atuação das Irmãs Dominicanas de São Romão em Salto da Divisa, na região do Baixo Jequitinhonha, MG e mostrar como a atuação ética e política delas desaguou na luta pela terra, resultando na conquista de dois Assentamentos no município de Salto da Divisa: Assentamento Dom Luciano Mendes de Oliveira e Assentamento Irmã Geraldinha, e em um Acampamento, o Ouro e Prata, com cerca de 70 famílias acampadas na luta pela terra. É o que passo a apresentar a seguir.
Na dissertação de mestrado de Luis Antonio Alves, intitulada Ação Pastoral das Irmãs Dominicanas em Salto Da Divisa, MG, de 1993-2005, é relatado pormenorizadamente o processo de formação do povo saltense: história sangrenta[2], com o extermínio dos povos indígenas botocudos, existente na região, e a instalação da cultura do clientelismo e coronelismo em Salto da Divisa. “Os sobreviventes desse extermínio criaram uma dependência muito grande dos fazendeiros, em questões de trabalho, moradia, alimentação, vestuário… Enfim, não tinham nenhuma perspectiva de vida, e constata-se que tal dependência passou de geração para geração. Criou-se uma consciência de subordinação para com os fazendeiros, o que levou a população a como que agradecer as migalhas que comia como se fossem obra de caridade. Salto da Divisa foi marcada pelo sofrimento de seus habitantes, piorado com o aumento das grandes fazendas de gado. A grande maioria da população urbana da cidade de Salto da Divisa de hoje origina-se da expulsão forçada ou “amigável” das terras tituladas pelos grandes latifundiários, entre os anos 1970 a 1990, décadas nas quais começou a desaparecer o agrego, isto é, o uso partilhado da terra, dando lugar ao uso exclusivo das terras, para pastos ou comercialização” (ALVES, 2008, p. 29).
A dizimação da população indígena do Baixo Jequitinhonha, de forma extremamente sangrenta, e a concentração da propriedade capitalista da terra geraram acumulação de riqueza e poder em poucas mãos. Isso contribuiu, de maneira estrutural para a configuração política e social da região, conforme afirma Luís Antonio Alves: “O “vale da fartura”, rico para a agricultura, foi transformado num descampado com o mínimo de moradores para a manutenção da pecuária extensiva. Onde moravam centenas de famílias, ficou somente uma pessoa para cuidar de mais de mil bois do coronel. A expressão “vale da miséria” surgiu quando o povo foi expulso das fazendas, indo parar na cidade, sem perspectiva alguma de sobrevivência. Havia muitas promessas dos fazendeiros e políticos, mas nada aconteceu. Chegando à cidade, o povo não teve meios para sobreviver. […]. Restou explorar o rio Jequitinhonha: a lavagem de roupa, a pesca, a extração de areia e de rochas para construção” (ALVES, 2008, p. 31).
A chegada das irmãs Dominicanas – Irmã Solange de Fátima Damião, Irmã Teresinha de Jesus Reis, Irmã Rosa Maria Barbosa e Irmã Geraldinha (Geralda Magela da Fonseca) – em Salto da Divisa, em fevereiro de 1992, tornou-se um divisor de águas na história do povo da região. Por isso conhecer um pouco da trajetória da irmã Geraldinha e do trabalho pastoral das irmãs dominicanas no município de Salto da Divisa é imprescindível para se compreender a luta pela terra no Baixo Jequitinhonha.
Os fazendeiros de Salto da Divisa logo perceberam que a atuação pastoral das Irmãs Dominicanas iria incomodar a ordem estabelecida da região. É o que relata Alves: “Os latifundiários logo perceberam na linha pastoral das irmãs, uma ameaça ao status quo deles. Eles afirmavam que as irmãs eram do PT e que todos deveriam ter cuidado ao se relacionar com elas. Diziam que elas estavam levando problemas para Salto da Divisa, que criariam divisão entre ricos e pobres, porque os trabalhadores passaram a exigir carteira assinada, não queriam mais votar no patrão, nem em seus candidatos. O medo dos fazendeiros se justificava pela perda do domínio sobre o povo, mas também pelas reflexões que faziam sobre a reforma agrária, fim do trabalho escravo e luta por direitos trabalhistas. A organização e conscientização passaram a ser percebidas através de vários conflitos que foram surgindo entre o povo e a elite da sociedade saltense. As domésticas começaram a reivindicar melhores salários, registro trabalhista e melhor assistência no trabalho junto à patroa. As mulheres que sofriam violência dos maridos começaram a denunciar as agressões na delegacia de polícia, o que provocou reação por parte dos maridos; muitas vezes elas foram forçadas a retirar o boletim de ocorrência. Eles diziam: “você não vai mais para essas reuniões, pois você ficou diferente. Você não respondia para mim, e agora responde, eu batia sozinho e agora você quer bater em mim”. Irmã Rosa relata que houve muitas separações depois disso. Os trabalhadores rurais, que roçavam os pastos, descobriram que seu salário era uma miséria, e que estavam vivendo num regime de escravidão” (ALVES, 2008, p. 38).
Com 52 anos, Irmã Geraldinha, cujo nome civil é Geralda Magela da Fonseca, é freira das irmãs dominicanas, está atuando pastoralmente em Salto da Divisa desde fevereiro de 1993, na Pastoral dos Direitos Humanos, na luta por direitos ao lado das famílias atingidas pela barragem e hidrelétrica de Itapebi[3], nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), na Pastoral da Criança e na Comissão Pastoral da Terra (CPT)[4].
Irmã Geraldinha[5], pilar fundamental e um dos principais segredos da perseverança dos camponeses Sem Terra na luta pela terra em Salto da Divisa. Antes de se engajar na luta pela terra, Irmã Geraldinha participou da Pastoral Carcerária em São Domingos do Prata, MG, durante dois anos. Na capital de São Paulo, ela trabalhou na Pastoral das Crianças em Situação de Rua. “A gente ia para a rua e convidava as crianças para ir para uma casa de apoio, onde as crianças tomavam banho, recebiam café da manhã e reforço escolar” (Irmã Geraldinha, em entrevista, dia 09/6/2016). Cerca de 700 crianças em situação de rua eram acolhidas nesses projetos na capital de São Paulo, enquanto irmã Geraldinha estava sendo presença pastoral lá.
Irmã Geraldinha relata o início do trabalho dela e de outras freiras dominicanas em Salto da Divisa: “Depois, ao chegar a Salto da Divisa, MG, no Baixo Jequitinhonha, eu comecei a ouvir muitas famílias reclamando que tinham sido expulsas da terra. Eu vi ali uma possibilidade de trabalhar na origem dos presos e das crianças em situação de rua, os que eu encontrei lá na capital de São Paulo. Começamos através dos Círculos Bíblicos a refletir sobre a situação das famílias expulsas do campo. Nas décadas de 1970 a 1990, milhares de famílias foram expulsas da terra na região do Salto da Divisa. Como ajudar esse povo a voltar às suas raízes? A gente via que as fazendas eram improdutivas e começamos a luta pela terra. Antigamente os fazendeiros proibiam ensinar a ler e a escrever. Em Salto da Divisa, de 1993 a 1998, trabalhei na Pastoral da Criança, porque tinha muita criança que morria de desnutrição. Incentivamos a plantação de hortas comunitárias e nos fundos de quintais. Na reflexão bíblica, o povo foi descobrindo os direitos que o povo tinha. A gente provocou a descoberta dos direitos sociais. Antes de ocuparmos a terra tivemos que ocupar a consciência do povo oprimido para que se reconhecesse portador de direitos. A casa do Sr. Aldemir, na cidade de Salto, até hoje não tem documento no nome dele. Primeiro, tivemos que semear a terra na cabeça das pessoas desterradas para que eles passassem a acreditar que eles tinham direito. A partir da Bíblia, levamos o povo a descobrir que a terra pertence a Deus e, portanto, a todos. Até nos bancos da igreja tinham os bancos exclusivos da família doadora, por exemplo, o coronel Zimbu. Os coronéis mandavam expulsar quem eles queriam e matar quem eles queriam. Irmã Terezinha, minha colega, trabalhou muito na construção de casas e na construção de fossas sanitárias. Isso através de mutirão e captando projetos de solidariedade. Um final de semana, um grupo fazia blocos de cimento e areia e outro grupo construía as casas ou reformava as casas existentes, mas em péssimas condições. A história de Salto da Divisa teve várias etapas de conscientização. Nós, irmãs, fomos acusadas de sermos comunistas. A questão da violência na cidade nos levou a criar o Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos (GADDH), em 1997, após um homem ter assassinado uma mulher a machadada. Isso chocou o povo. Policiais da região não queriam investigar o crime, pois achavam que a culpa era da mulher assassinada. Criamos a Associação Asas da Liberdade, onde buscamos apoio em um grupo francês para fazermos reforço escolar às crianças. A Comarca da cidade de Jacinto, em 1997, não tinha juiz, nem promotor e nem defensor público. Só em Almenara. A prostituição era intensa, inclusive com meninas adolescentes. Os fazendeiros usavam a prostituição para a primeira experiência sexual de seus filhos. E depois, em 1999, o grupo integrante do GADDH abraçou a luta contra a barragem e a hidrelétrica de Itapebi. O latifúndio e o poder público municipal e o estadual estiveram o tempo todo ao lado da empresa que estava construindo a barragem de Itapebi. Até hoje a empresa tem pendências sobre a maioria das medidas compensatórias não cumpridas. As lavadeiras foram pisadas nos seus direitos de lavar roupa nas águas do rio Jequitinhonha. A barragem de Itapebi encheu dentro de um dia, quando as irmãs dominicanas estavam de férias. A empresa se desculpou dizendo que tinha chovido muito. Mentira. Há 13 anos a barragem está cheia e os direitos das lavadeiras, dos pescadores e dos extratores de areia continuam violados. O clamor por justiça continua ensurdecedor. Em Salto da Divisa os fazendeiros agem de forma orquestrada” (GERALDA MAGELA FONSECA (IRMÃ GERALDINHA), em entrevista, dia 09/6/2016) (grifo nosso).
O trabalho pastoral das irmãs dominicanas em Salto da Divisa, na perspectiva da Teologia da Libertação e das CEBs, desaguou na criação da Associação Comunitária de Comunicação de Salto da Divisa – ASSCOM -, do Grupo de Apoio e Defesa dos Direitos Humanos – GADDH – e da Rádio Comunitária Voz do Povo, instrumentos de organização e luta por direitos sociais. O GADDH, por exemplo, reivindicou junto poder público municipal a constituição e instalação do Conselho Municipal de Saúde, do Conselho de Segurança Pública e do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente, este para combater a realidade de violência contra a criança e o adolescente.
Após o MST nascer e se fortalecer na região do Vale do Jequitinhonha com o assentamento Franco Duarte, em Jequitinhonha; o acampamento Terra Prometida, em Felisburgo; e o assentamento Esperança/Santa Rosa, em Almenara, e após ter acontecido em Unaí, MG, dia 28 de janeiro de 2004, o massacre dos quatro fiscais do Ministério do Trabalho, no mesmo ano, dia 20 de novembro de 2004, o massacre de cinco Sem Terra em Felisburgo, impulsionado pelo trabalho pastoral da irmã Geraldinha, de outras irmãs dominicanas e de militantes do GADHH, eis que o MST fincou pela primeira vez sua bandeira em Salto da Divisa, um município sob hegemonia do latifúndio e do capital no campo. O Acampamento Dom Luciano Mendes, do MST, em Salto da Divisa, município com seis mil habitantes, distante 7 km da cidadezinha de Salto[6] e a 880 km de Belo Horizonte, na região do Baixo Jequitinhonha, MG, após um longo processo de gestação, nasceu na madrugada do dia 26 de agosto de 2006, exatamente no dia em que o arcebispo da Arquidiocese de Mariana, MG, Dom Luciano Mendes de Oliveira, faleceu. Por isso e, principalmente, por ele ter sido ao longo de várias décadas uma referência para a igreja popular na linha da Teologia da Libertação, para as Comunidades Eclesiais de Base, as pastorais sociais e para os movimentos populares, Dom Luciano foi escolhido para ser o patrono do acampamento.
Irmã Geraldinha recorda como foi a primeira ocupação no município de Salto da Divisa. “A ocupação que se tornou o Acampamento Dom Luciano Mendes aconteceu por volta das 4 horas da madrugada do dia 26 de agosto de 2006 com 186 famílias sem-terra que logo depois foram cadastradas no INCRA.[7] O povo levantou de madrugada, pôs os cacaios nas costas e cortou a cerca de mais um latifúndio iniciando o Acampamento Dom Luciano. Com a lona preta nas mãos entramos nessa fazenda chamada Manga do Gustavo. A gente sabia que era terra devoluta” (IRMÃ GERALDINHA, em entrevista, dia 21/9/2014).
Na madrugada do dia 26 de agosto de 2006, em Salto da Divisa, MG, estava Cidona, ao lado de 186 famílias, fincando a bandeira do MST no Acampamento que três dias depois foi batizado de Acampamento Dom Luciano Mendes. Na Assembleia que decidiu qual seria o nome do acampamento, Cidona afirmou: “Ocupamos aqui no mesmo dia em que morreu o grande bispo Dom Luciano Mendes, um irmão na luta dos pobres. Por isso proponho a gente homenageá-lo colocando o nome de Dom Luciano no nosso acampamento, pois cultivar a memória profética dele é dever de todos nós” (CIDONA DO MST, dia 29/8/2006).
Segundo Geralda Magela Fonseca – carinhosamente conhecida como Irmã Geraldinha -, cerca de 85% das famílias que vieram para o Acampamento Dom Luciano Mendes eram atingidas/massacradas pela barragem de Itapebi. De fato, grandes obras de infraestrutura que viabilizam o sistema do capital, entre as quais, as grandes barragens, têm gerado conflitos agrários, expropriação de terra dos camponeses e, consequentemente luta pela terra – O MST foi criado também através da luta pela terra dos camponeses atingidos pela barragem de Itaipu -, como o caso que estamos analisando e inúmeros outros pelo Brasil afora, como em Andradina, SP, no final da década de 1960, como atesta Fabiano Coelho: “Na região de Andradina, a construção da barragem da usina Engenheiro Souza Dias, mais conhecida como Jupiá, provocou uma migração muito grande de pessoas para o local. Com o findar da construção, grande parte dessas pessoas continuaram na região, porém desempregadas e tendo que se concentrar nas periferias das cidades, principalmente em Andradina. Neste período, também em Andradina, havia a luta dos posseiros da fazenda Primavera, os quais estavam sendo expulsos das terras que cultivavam há anos” (COELHO, 2010, p. 57).
As principais notícias de jornais e as atas de reuniões em que lideranças do MST participam estão fixadas em um mural no Centro Comunitário do Acampamento Dom Luciano. “O povo precisa ler e se informar sobre o que está acontecendo relativo à nossa luta”, pondera irmã Geraldinha. Muito eloquente a Decoração do Centro Comunitário com as paredes grafitadas com letras de músicas da luta, gritos de luta, menção às principais conquistas e datas. Sinal de que a dimensão simbólica precisa ser cultivada também.
Em observação participante, perambulando pelo acampamento Dom Luciano Mendes percebemos que há trabalho em mutirão no mandiocal coletivo, no galinheiro de quatro famílias, em algumas pocilgas, nas hortas e nos roçados.
Eloquentes são os nomes das ruas do Acampamento Dom Luciano: rua Che Guevara, rua 26 de agosto de 2006, rua CPT, rua MST, rua Antônio Conselheiro, rua 7 de setembro e rua Popular. Todos esses nomes têm um grande significado para as famílias do Acampamento Dom Luciano. São pessoas de luta; datas importantes como 26 de agosto de 2006, que foi o dia da ocupação; rua Sete de setembro, por ter se tornado o dia do grito dos excluídos, que foi um momento forte na nossa luta da terra em 2006, 2007 e 2008. Quando deram o nome da rua, o povo decidiu que não participaria mais do Grito dos Excluídos, em Salto da Divisa, uma vez que o grito lá tinha se tornado grito do poder público; a rua Popular está no ponto mais alto do acampamento, lugar de oração e vigília, onde foi fincada a cruz das Santas Missões populares, realizada no segundo ano de resistência das famílias no acampamento.
Encantadora a alegria contagiante que as famílias do Acampamento Dom Luciano demonstram em todos os momentos de reunião, de manifestação, de celebração da luta ou para receber algum visitante ou autoridade no Acampamento. Muita cantoria, uma cascata de cantos de luta e gritos de luta. Assim presenciamos nos momentos em que o povo festejava oito anos de resistência no Acampamento Dom Luciano[8] e a conquista da fazenda Monte Cristo, dia 22 de outubro de 2014. Em uma aura de ternura e de gratidão, vários objetos de artesanato em madeira – cuias, gamelas e pratos – foram presenteados às autoridades e a todos os visitantes. A emoção tomou conta de várias pessoas.[9]
Músicas de luta e gritos de luta muito eloquentes, tais como: a) “Verdadeiros donos da terra são os que nela trabalham e produzem para sua subsistência!;” b) “Somos luz divina do MST. Na luta pela terra, somos nós que vamos vencer!;” c) “Dom Luciano lutou até morrer. Lutou pela justiça e não pelo poder!;” d) “Cida, Cidona, você não morreu. O MST não te esqueceu!;” e) “Pisa ligeiro, pisa ligeiro. Quem não pode com Sem Terra não açanhe os companheiros!;” f) “Eu já falei pra você não mexer com o Sem Terra. O Sem Terra é valente e luta pela liberdade!;” g) “Mais um passo à frente, nem um passo atrás. A reforma agrária é a gente que faz!” h) “Essa luta é nossa, é luta é do povo. É só lutando que se constrói um Brasil novo!;” i) “Povo unido é povo forte, não teme a luta, não teme a morte!;” j) “Vem Senhor Jesus, vem conosco caminhar. Ilumina nossa luta pra essa terra conquistar!”.”[10]
Irmã Geraldinha nos informa: “No Acampamento Dom Luciano Mendes estou desde o início ajudando na Formação de Base pelos direitos do povo aqui na luta pela terra. Estou desde o início apoiando essa luta pela terra aqui para ver se de fato a reforma agrária acontece aqui em Salto da Divisa. É um direito do povo e um dever das autoridades” (IRMÃ GERALDINHA, em entrevista, dia 21/9/2014).
A luta dos camponeses acampados no Acampamento Dom Luciano até serem assentados no PA Dom Luciano Mendes, 25 famílias somente, foi uma experiência de fé libertadora e de esperança construída na luta coletiva. “Irmã Geraldinha tem sido o braço forte dessa luta, o porto seguro do povo na luta pela terra. Por isso ela foi muitas vezes ameaçada de morte”, testemunha Edivaldo Ferreira Lopes, da coordenação da CPT em MG. Em um vídeo[11] que foi apresentado no IV Congresso da CPT, em Porto Velho, de 12 a 17 de julho de 2015, emocionada, irmã Geraldinha afirma: “Aqui no Acampamento Dom Luciano milagres vêm acontecendo. Terras que estavam nas mãos do latifúndio hoje estão produzindo feijão, milho, mandioca, verduras e frutas para o povo se alimentar e se libertar”. A camponesa Cleonice complementa: “É nosso dever libertar a terra que vive aprisionada nas mãos dos latifundiários e fazer essa terra produzir alimentos saudáveis” (CLEONICE DOS SANTOS SILVA SOUZA, no IV Congresso da CPT, dia 16/7/2015). Elenita Ramos fez questão de concluir a apresentação da luta pela conquista do PA Dom Luciano, em Salto da Divisa, MG, no IV Congresso da CPT, dizendo: “Quando vocês encontrarem alguém da igreja querendo contribuir, aceite, pois o apoio de pessoas da Igreja é fundamental na nossa luta. Assim foi conosco através da irmã Geraldinha. Digo isso porque há acampamentos que não compartilham com a Igreja, mas a Igreja é uma grande força. Vale a pena lutar juntos” (ELENITA RAMOS, em oficina do IV Congresso da CPT, Sem Terra do PA Dom Luciano Mendes, dia 16/7/2015, em Porto Velho, Rondônia).[12]
Enfim, apresentamos aqui apenas alguns flashes da presença e atuação das Irmãs Dominicanas, com ênfase na atuação da Irmã Geraldinha, que continua vivendo e atuando no meio dos Sem Terra dos Assentamentos Dom Luciano Mendes e Irmã Geraldinha e acompanhando a luta pela terra das dezenas de famílias do Acampamento Ouro e Prata e a resistência da comunidade camponesa da cabeceira do Piabanha, no Parque estadual Alto Cariri, também em Salto da Divisa, MG. Essa comunidade de posseiros está ameaçada pela mineradora Nacional de Grafite, por fazendeiros da região e por deputados que tramam alterar os limites do parque para que a mineradora possa minerar dentro do parque, onde há mais de 50 anos mais de dez famílias camponesas vivem em harmonia com o meio ambiente, preservando-o.
A atuação pastoral e a luta pela terra descrita em rápidas linhas, acima, demonstram que tipo de ética, de política e de direito? Quais urgências e limites?
Referências.
ALVES, Luís Antonio. Ação Pastoral das Irmãs Dominicanas em Salto da Divisa, MG, de 1993-2005. (Dissertação). São Paulo: Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, 2008. Disponível em http://livros01.livrosgratis.com.br/cp080579.pdf , acesso em 31/12/2016 às 09h48.
COELHO, Fabiano. A Prática da Mística e a Luta pela Terra no MST. Dissertação (Mestrado em História). Dourados, MS: UFGD, 2010. Disponível em http://files.ufgd.edu.br/arquivos/arquivos/78/MESTRADO-DOUTORADO-HISTORIA/Fabiano%20Coelho.pdf , acesso em 03/01/2017 às 18h43.
Obs.: Esse artigo está publicado originalmente em: http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/annales/article/view/3829 , acesso em 30/10/2017, às 18h02.
Notas:
[1] Frei e padre da Ordem dos Carmelitas; bacharel e licenciado em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Movimentos Populares urbanos de luta por moradia; e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Sobre a história do Vale do Jequitinhonha, cf. RIBEIRO, Eduardo Magalhães. Lembranças da terra: história do Mucuri e Jequitinhonha. Belo Horizonte: s. ed., 1995; SANTOS, Rafael Souza. O Vale do Jequitinhonha. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1971.
[3] Cf. no link, a seguir, Irmã Geraldinha lutando pelos direitos dos atingidos pela barragem e hidrelétrica de Itapebi, em Salto da Divisa: https://www.youtube.com/watch?v=AAfkW0bDF4o , acesso em 23/5/2015 às 10h23.
[4] Em entrevista na TV Comunitária de Belo Horizonte – www.tvcbh.com.br -, no Programa Inconfidências Mineiras, Irmã Geraldinha narra sua história de luta por Direitos Humanos no município de Salto da Divisa, MG. Veja nos seis links a seguir: 1) https://www.youtube.com/watch?v=7Udy_TkEo2w , 2) https://www.youtube.com/watch?v=p35Mh83VQg4 , 3) https://www.youtube.com/watch?v=Ek3e-ECzGCQ , 4) https://www.youtube.com/watch?v=PFrQNL9elLY , 5) https://www.youtube.com/watch?v=UuLxq8v64M4 , 6) https://www.youtube.com/watch?v=6ixo4G125m8 , acesso em 23/02/2015 às 23h34.
[5] Veja o Documentário da TV Canal Futura “Uma irmã, um rio e muitas terras”, que retrata a luta pela terra empreendida pela Irmã Geraldinha no meio do povo Sem Terra, dos posseiros e atingidos pela barragem e hidrelétrica de Itapebi, em Salto da Divisa, MG, no link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=fVQFbK1Vg1g , acesso em 21/5/2015 às 23h03.
[6] Quando era necessário ir à cidade de Salto da Divisa, as pessoas do Acampamento Dom Luciano iam a pé, de jegue ou de bicicleta. Raramente aparecia uma carona. Podia-se também pegar o ônibus da empresa Mineradora Nacional de Grafite que levava os funcionários da empresa. Esse ônibus passava indo para o Salto às 08h00 da manhã e voltava às 14h00. E ia novamente para o Salto às 16h00 e voltava às 22h00.
[7] “Já passaram pelo Acampamento Dom Luciano mais de 220 famílias”, informa irmã Geraldinha.
[8] Cf. o vídeo “Acampamento Dom Luciano, do MST, em Salto da Divisa, MG, celebra 8 anos de resistência. 21/09/2014” , disponibilizado no You Tube no link https://www.youtube.com/watch?v=rwJWrhk4nfY , acesso em 24/5/2015 às 22h10.
[9] Cf. o vídeo “Acampamento Dom Luciano, do MST, em Salto da Divisa, MG, festeja a conquista da fazenda Monte Cristo”, disponibilizado no link https://www.youtube.com/watch?v=GDtNlY61v_E , acesso em 25/5/2015 às 08h23.
[10] Em 22/9/2014, gravamos também dois vídeos: 1) “Povo do Acampamento Dom Luciano não arreda o pé da luta”, disponibilizado no You Tube, no link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=bIEXLnke47g , acesso em 27/5/2015 às 22h56; 2) “Acampamento Dom Luciano, do MST, em Salto da Divisa, MG, festeja a conquista da fazenda Monte Cristo”, disponibilizado no link https://www.youtube.com/watch?v=GDtNlY61v_E , acesso em 295/2015 às 22h06.
[11] Vídeo disponibilizado no You Tube no link a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=I9tmI_l0uSo , acesso em 30/5/2015 às 12h10.
[12] Cf. vídeo “De trabalho escravo a livre e Assentamento Dom Luciano no IV Congresso da CPT. 15/07/15”, disponibilizado no You Tube no link https://www.youtube.com/watch?v=Hv2LL5jTJaU , acesso em 30/02/2016 às 10h23.