Hospital Municipal de Paracatu, MG, jogado às traças, clama por reforma profunda: Pior que eu vi … Por Aline Dias

Hospital Municipal de Paracatu, MG, jogado às traças, clama por reforma profunda: Pior que eu vi … Por Aline Dias Araújo[1]

Hospital Municipal de Paracatu em imagem de novembro de 2018 — Foto: Google Street View/Reprodução

Como diz um velho ditado popular: “Com estes olhos que a terra há de comer.” Eu vi …, ou melhor, eu vivi. Eu senti na pele e no meu próprio corpo a dor de precisar acompanhar uma criança de quatro anos, minha afilhada, atendida pelo SUS[2] no Hospital Municipal de Paracatu, no noroeste de Minas Gerais. Hospital intitulado “Amigo da Criança”, no dia 28 de maio de 2023, a partir das 19h30 até 07h30 da manhã do dia seguinte. Com o intuito de auxiliar a mãe da criança, revezando nos cuidados, desloquei até Paracatu. Mal podia imaginar que por detrás desse título lindo do hospital, escondia-se uma estrutura física que não condiz em nada com cuidado, e amizade com crianças. Cuidado com crianças requer higiene e isso não pode se dizer que exista no interior daquele hospital. Desde a recepção na portaria (onde não há informações do que pode ou não adentrar no espaço) onde os acompanhantes são abordados de forma nada gentil, vistoriados para que objetos não permitidos não adentrem no espaço, em todo o trajeto até à pediatria o que se vê é pintura descascada, piso com rachaduras, infiltrações, reparos sem acabamentos. Nos corredores já se percebe que aquele ambiente há anos não recebe cuidados básicos e nem manutenção.

 Internada na pediatria com outras quatro crianças que partilhavam o mesmo quarto, aquele não era de fato um ambiente de recuperação da saúde. Havia ali quatro camas, cujas grades de proteção se encontravam todas quebradas, amarradas com ataduras, improvisadas para que as crianças não vazassem do outro lado em um breve cochilo das mamães. Cochilo totalmente sofrido, pois não há sequer uma cadeira de acompanhante digna. Ou estão quebradas, ou faltam apoio dos pés, ou ficam apoiadas na parede, ou seu revestimento, que, de tão ressecado, machuca e corta a pele. As paredes estão permeáveis, mofadas, o teto descascado em condições insalubres.

No banheiro, vaso sanitário estragado, e no rejunte do piso há remendos com durepox. Em meio a um misto de perplexidade e indignação na manhã do dia seguinte, após a chegada de uma nova acompanhante para a criança, passei a caminhar pelo Hospital para verificar o seu quadro geral. Quanta decepção! Nos demais quartos da pediatria a mesma situação. Mobiliário sem condições de uso, teto e paredes descascadas e propícias à contaminação e propagação de germes. Ambiente ideal para se contrair infecção hospitalar.

Infelizmente, andei e vi: em vários quartos da enfermaria feminina, masculina, nos corredores, a precariedade e falta de investimento em todos os sentidos. Uma cena chocante na enfermaria feminina: uma senhora com infecção respiratória e sua cama abaixo de um teto todo mofo. Terão efeitos os antibióticos prescritos pelos médicos? Óbvio que não, pois o ambiente alimenta a infecção. Ouvi depoimentos, escutei as queixas, registrei, documentei.

Como canta Mercedes Sosa, “Eu só peço a Deus que a dor não me seja indiferente.

As cenas de um hospital superlotado, extremamente precário, não condizem com a situação econômica de um dos municípios com uma das maiores arrecadações do estado de Minas Gerais. A Lei nº 3.738 de 08 de dezembro de 2022, que estima a receita e fixa a despesa do Município de Paracatu para o exercício financeiro de 2023, aprovada pela Câmara Municipal em mesma data, prevê no Art. 2º: “A receita total é orçada e a despesa total fixada em valores iguais a R$681.290.814,74 (Seiscentos e oitenta e um milhões, duzentos e noventa mil, oitocentos e quatorze reais e setenta e quatro centavos).¨

Diante de uma arrecadação tão expressiva, pergunta-se: Os recursos destinados à saúde são insuficientes ou mal geridos? O que está acontecendo? Por que tanto descaso com as pessoas que precisam do Hospital Municipal de Paracatu? Cadê o investimento exigido pela Constituição Federal em saúde pública?

Como tem sido a participação da população na utilização e destinação dos recursos públicos? Se omitir diante de tanto descalabro e indícios gravíssimos de crimes com relação à saúde pública da população de Paracatu se torna cumplicidade inadmissível a quem se entende como ser humano.

Paracatu tem deveras problemas reais e injustiças sociais que precisam da opinião popular se manifestar e gritar por direitos e por respeito. O choro das mães que utilizam o Hospital Municipal de Paracatu não pode ser apenas um lamento. É preciso transformar-se em denúncia e em luta por justiça. A consciência de que a correta aplicação do dinheiro público gera saúde de qualidade, equipamentos públicos bem cuidados e equipados, bem estar para as famílias e para a população.

No cumprimento do dever cidadão de cobrar das autoridades paracatuenses atitudes concretas para a inversão de prioridades de destinação de recursos de saúde para atender a população, convocamos o Conselho Municipal de Saúde para que visite e vistorie o citado hospital, fiscalize e cobre providências e transparência do poder público.

Que o Ministério Público de Minas Gerais e também o Ministério Público Federal verifiquem as condições do Hospital Municipal de Paracatu, que leva o lindo título de “Hospital Amigo da Criança”, mas na prática desrespeita o conjunto de normativas que preconiza a Lei 8.069/90, do  ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

Exigimos também da Defensoria Pública de Minas Gerais e da Câmara de Vereadores respostas concretas no sentido de transfigurar a calamitosa e brutal situação do Hospital Municipal de Paracatu, pois saúde pública de qualidade é um direito assegurado pela Constituição de 1988 e um dever do Estado nos três níveis: união, estado e município. As crianças merecem cuidado e acima de tudo tratamento respeitoso, o que é impossível de ser viabilizado nas dramáticas condições do Hospital Municipal de Paracatu.

Paracatu, MG, 29 de maio de 2023.


[1] Historiadora pela Fafidia, de Diamantina/MG; Assistente Social em João Pinheiro, MG, natural de Paracatu, MG. Pós Graduada em Sustentabilidade, Desenvolvimento e Gestão de Projetos Sociais pela Unifil; Cientista Política com Mestrado em Políticas Públicas Ambientais pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia em Lisboa, Portugal;  E-mail: aline.ptu@outlook.com

[2] Sistema Único de Saúde.

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