Santo Dias da Silva, 45 anos de martírio (30/10/1979 a 30/10/2024). Org. por Gilvander Moreira[1]
Memória Viva de Santo Dias da Silva: 45 Anos de Luta e Inspiração
Hoje, 30/10/2024, lembramos Santo Dias da Silva, trabalhador e operário que há 45 anos foi brutalmente assassinado enquanto lutava por justiça e dignidade. Santo, um “operário de sonho-criança”, homem de fé e força, acreditava na transformação que nascia de baixo, das mãos do povo, da terra e da oficina, onde a esperança se forjava com suor e coragem.
Operário da esperança e da resistência, Santo Dias se cansou de esperar por mudanças que viessem apenas de cima. Em sua vida e luta, ele nos ensinou a força da unidade e da ação coletiva, a potência de um sonho que resiste, que não se curva e que insiste. Seu legado ecoa em cada trabalhador que se levanta, em cada comunidade que luta, em cada movimento que não se cala.
Que a memória de Santo Dias inspire novas gerações a caminhar por um mundo mais justo, onde o trabalho seja digno e onde os sonhos de quem constrói a sociedade com suas próprias mãos não sejam mais silenciados.
Dia 30 de outubro de 2024, completou 45 anos do martírio de Santo Dias. Militante das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)[2], da Pastoral Operária, da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, Santo Dias foi e continua sendo uma referência importante para milhares de pessoas que acreditam em uma sociedade justa e solidária. Ainda mais em tempos de refluxo da militância, Santo Dias é um exemplo por sua perseverança e acima de tudo pela pedagogia do exemplo, do trabalho de base. Coerente, sensível e comprometido com o mundo dos trabalhadores e das trabalhadoras, é dessa forma que Santo Dias era visto por seus amigos.
Santo Dias, um operário. 45 anos depois
O trabalhador Santo Dias tinha 37 anos quando foi atingido por um tiro de um policial militar em frente à Sylvania, uma fábrica de lâmpadas no bairro Santo Amaro, na capital de São Paulo. Estávamos em 1979 e os metalúrgicos organizavam uma greve. O sindicato dos metalúrgicos de São Paulo era presidido por Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, apoiado pelos militares. Coube à oposição organizar as greves daquele ano, quando o sindicato permaneceu cúmplice dos patrões. Naquele dia, reivindicavam-se 83% de reajuste salarial e Santo Dias liderava o movimento. “Ele notou que um companheiro era conduzido ao camburão e resolveu resgatá-lo. Pedia calma aos colegas quando foi morto”, conta o metalúrgico Waldemar Rossi, também membro da Pastoral Operária e colega de Santo Dias.
A revista IstoÉ, de 27/10/2004, relata que o “autor do disparo que o matou foi Herculano Leonel, primeiro policial condenado em um tribunal militar por motivo político no Brasil. Alguns anos depois, porém, a defesa recorreu e ele foi absolvido”. Continua a revista: “Santo Dias virou nome de um parque, uma praça e seis ruas só na Grande São Paulo. Tornou-se patrono do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, órgão criado em 1980 sob a bênção do então cardeal dom Paulo Evaristo Arns e presidido por Hélio Bicudo, vice-prefeito da capital. Foi dom Paulo Evaristo quem rezou a missa de corpo presente, realizada na Catedral da Sé lotada”. Fala dom Paulo: “A influência de Santo Dias é enorme. Minha oração em sua missa foi publicada em um livro didático na Austrália”. Santo deixou a esposa, Ana Dias, e os filhos Santo Dias Filho e Luciana, então com 12 anos. Santinho tornou-se metalúrgico. Luciana, 37 anos, é pedagoga e escreveu, em parceria com a jornalista Jô Azevedo e com a fotógrafa Nair Benedicto, o livro Santo Dias – quando o passado se transforma em história (Cortez Editora).
A filha fala do pai
A filha de Santo Dias, Luciana Dias em entrevista a IstoÉ, de 27/10/2004, fala sobre o pai: “Ele era um pai extremamente rigoroso. Chegava tarde, obrigava a gente a ler os boletins do sindicato em voz alta e ainda queria discutir o conteúdo deles. Era uma tarefa pesada para uma menina de nove anos. Também tínhamos que recortar as tiras do Henfil para ele levar para o mural da igreja. E ainda separávamos os panfletos para ele distribuir nas portas das fábricas. Em 1978, na época da eleição da diretoria do sindicato, saíamos da escola na hora do almoço e ajudávamos na panfletagem. À noite, quando não tinha tarefa, ele montava umas contas enormes com raiz quadrada para a gente resolver. A gente tinha de estar sempre debruçada em livros ou ajudando nas coisas de casa. Passeio para ele era ir a museu, ao Instituto Butantã… Playcenter? Nem pensar! Em casa não entrava camiseta com escritos em inglês nem Coca-cola. Eu já tinha cinco anos quando ele aceitou comprar uma televisão. Ele era tão crítico que até minha mãe se cansava. Não se conformava quando chegava vendedora da Avon em casa. ‘Um monte de gente passando fome e vocês vêm vender perfume na favela!’, dizia”.
Metodologia do Santo Dias: 80% escutar e 20%, falar
Paulo Maldos, assessor do CEPIS – Centro de Assessoria Político-Pedagógica, no campo da Educação Popular, conviveu longamente com Santo Dias. Estudante ainda jovem, participou com Santo Dias do nascedouro das Comunidades Eclesiais de Base e da incipiente organização operária em São Paulo. Em entrevista ao CEPAT Informa, n. 104, outubro 2004, fala da sua convivência com Santo Dias: “Conheci Santo Dias quando era estudante na Faculdade de Psicologia da PUC de São Paulo, em 1974. Eu fazia um trabalho comunitário na favela do Rio Bonito, na região de Interlagos, zona sul da cidade, e um dia fui convidado para participar de uma reunião à noite, na Paróquia do Socorro, onde as pessoas que faziam vários trabalhos pastorais e comunitários iriam trocar experiências e fazer um planejamento comum. Foram organizados grupos mistos em termos de tipos de trabalho e eu acabei ficando no grupo do Santo Dias. Ele expôs o seu trabalho com comissões e grupos de fábrica na zona sul, o que me deixou fascinado. O Santo Dias me causou uma ótima impressão: ao mesmo tempo militante ousado e extremamente tranqüilo, ótima pessoa, simpático, afetivo, companheiro, pessoa que escutava muito e sabia falar coisas pertinentes, que emergiam do próprio grupo. Ele tinha claras suas idéias e propostas, mas sabia esperar para colocá-las no momento certo.”
A preocupação com as bases
Continua Paulo Maldo: “Santo Dias preocupava-se com a participação das bases, esse eu acho que era o eixo central das suas preocupações: como animar e fortalecer o protagonismo dos operários, dos trabalhadores, dos setores populares nos bairros e favelas. Claro que ele tinha como norte uma sociedade justa, o fim da ditadura, a transformação social, a construção de um movimento operário forte e autônomo, que eram as ideias gerais da militância, mas ele colocava o acento na participação direta da base, a sua formação política, a sua organização, a articulação dos diversos trabalhos de base. Tinha claro que precisávamos partir das condições concretas de vida dos trabalhadores, organizá-los a partir daí, mas desencadear processos amplos e massivos de luta, com formação e clareza política, com respeito às bases e com uma direção colada e respeitada por essas bases”.
O jeito que Santo Dias trabalhava com o povo
Paulo Maldos fala da metodologia do trabalho de base de Santo Dias: “A metodologia era a de aprender com o povo para poder ensiná-lo, para voltar a aprender e ensinar. Oitenta por cento escutar e vinte, falar e ainda perguntar se o que você disse está certo, se está bom. E isso envolto em companheirismo, solidariedade, compromisso, amizade, humildade. Acho que o principal ensinamento é o da coerência entre afirmar que deseja uma sociedade justa e praticar vinte e quatro horas por dia a construção desta sociedade, nas palavras, atitudes, decisões, propostas, idéias, posturas. Também o ensinamento da participação e protagonismo popular, da organização da base, da formação política e ideológica da base”.
Santo dias não recuava diante das dificuldades
O metalúrgico aposentado Waldemar Rossi conviveu com o Santo Dias, e ao lado dele foi uma das importantes figuras na organização da oposição sindical metalúrgica de São Paulo. Rossi, militante cristão, passou pela Ação Católica Operária (ACO), pela Juventude Operária Católica (JOC) e pela Pastoral Operária. Rossi em entrevista ao CEPAT Informa, n. 104, outubro 2004, fala um pouco da sua imagem de Santo Dias: “Santo Dias tinha incomparável capacidade de coordenar sua vida familiar com as atividades na comunidade, nos movimentos populares da região, na Pastoral Operária e, ao mesmo tempo, na Oposição Sindical. Em todas as fábricas por onde passou, Santo Dias deixou a marca da organização de base e das lutas por melhores condições de trabalho, aliadas às lutas sindicais por salários e outras conquistas. Tinha convicção de que as lutas operárias deveriam avançar para um enfrentamento maior com a exploração capitalista, visando à construção de uma sociedade com bases nos ideais socialistas. A Boa Nova e os ideais socialistas se completavam, para Santo Dias. Santo não recuava diante das dificuldades. De pronto reagia diante de uma injustiça maior, como, por exemplo, na Metalúrgica Alfa: quando o patrão assassinou um companheiro de trabalho, comandou a paralisação da fábrica e todo um movimento para a condenação do assassino. Não recuou sequer diante das ameaças recebidas”.
Obs.: Os vídeos nos links e o áudio, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 – Santo Dias
2 – Documentário Santo Dias da Silva – 30/10/2020
3 – Homenagem a Santo Dias – 41 Anos Presente
4 – 41 anos de morte de Santo Dias – Entrevista com Luciana Dias
https://www.youtube.com/watch?v=A-aWMGFvN28
5 – Em 30/10/2019: 40 anos do assassinato do operário Santo Dias da Silva. Entrevista com Luciana Dias da Silva
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III – No you tube, Canal Frei Gilvander luta pela terra e por direitos