Três Tributos a Ravel Rochael Marques: de Caetité para o MAM do Brasil

Três Tributos a Ravel Rochael Marques: de Caetité para o MAM do Brasil. Ele se encantou.

Ravel Rochael Marques, 22 anos, se encantou na vida plena, na noite de 24/7/2022. Fotos: Arquivo do MAM e amigos/as.

1 – Crônica em homenagem ao menino Ravel

Por Reinaldo Fernandes, tarde do dia 24/07/2022

– Ravel, Reinaldo!  O Ravel morreu!, vem minha companheira me avisar, chorando, desesperada! – O Ravel! Ele dançou comigo, Reinaldo, no dia do seu aniversário, e hoje é seu aniversário e ele morreu!

Ela se referia ao dia 24 de julho de 2019, quando fizemos uma bela festa, com a presença dos companheiros do MAB, do MAM, dois hermanos da TeleSUR da Venezuela, e nos divertimos muito, bebemos, conversamos, berramos mil vezes “Lula Livre” e cantamos até de madrugada.

– Quem falou que ele morreu? Como assim?, perguntei, também sem querer acreditar. – Foi o Paulo Flores!

Conheci Ravel no dia 27 de janeiro de 2019, dois dias depois de a mineradora VALE ter assassinado 273 pessoas em Brumadinho. Apareceram em minha casa (“Reinaldo do PT”), avisando que vieram para ajudar os atingidos do crime da mineração. Um baiano, menino ainda, todo sorridente, simpático, parece ter gostado logo de mim.  Mais dois militantes do MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração – o acompanhavam.

Chegaram assim, com seus corpos jovens, a certeza da necessidade de lutar contra a mineração assassina e um amor imenso no coração, só compreendido por quem divide os mesmos sonhos de um (a) militante: o amor pelo outro, mesmo quando nunca se viu o outro nesta vida. O amor pelo injustiçado, em qualquer lugar do mundo em que este injustiçado esteja.  E mais nada! Não tinham mais nada! Feito Jesus Cristo, apenas com suas roupas rotas e sua única sandália! 

Precisavam de uma casa onde ficar, de colchões (não faziam questão de cama), de panelas, o mínimo para sobreviverem aqui e ajudar aos atingidos.

A Rosângela, irmã do Paulo Flores, emprestou a casa, lá em Córrego do Barro (como não tinham carro, viviam de carona de uma lado para o outro). As companheiras Lilian Paraguai, Jane Paraguai e Ilza Márcia arrumaram colchões. Sãozinha Flores, panelas. E fomos ajeitando aqui e ali.

Para nós, do PT de Brumadinho/MG, tão sozinhos no enfrentamento de toda desgraça desta cidade, foi uma alegria receber os militantes do MAM. Eles e os do MAB nos deixavam fortalecidos, já não éramos os únicos!

Naquela mesma tarde fui com eles ao supermercado BH para ele fazerem a compra de alimentos para a semana. Se não me falha a memória, era quatro pessoas e fizeram uma compra, para sobreviverem uma semana, de setenta reais! Eu, acostumado a comer e a beber bem, admirado com aquilo, fiz logo as contas: 70 dividido por 4, igual a 17,50 dividido por sete igual a 2,5. Sim, iam viver com R$ 2,50 por dia! Extrema pobreza: segundo o Banco Mundial  o que caracteriza a estrema pobreza é alguém viver com menos de U$1,90 por dia (hoje, em torno de R$ 10,45).   

Descobri naquele momento que tipo de militante era Ravel. Ele não era como nós, os pobres que ascenderam à classe média e fomos tocados pela pobreza, a classe média que tem carro, casa, roupas, viaja nas férias, come carne todo dia e assina Netflix. Ravel – e seus companheiros do MAM – eram pessoas pobres, militantes do meio do povo pobre, acostumados às agruras da pobreza. Enquanto escrevo, as lágrimas não param de cair de meu rosto (acho que nos últimos anos nunca chorei tanto a morte de alguém!). Lembro-me dele, sempre tão alegre, tão sorridente, tão cheio de vida, em nossas várias manifestações contra a assassina VALE; no acampamento Pátria Livre do MST; em nossas reuniões do Coletivo Somos Todos Atingidos; caminhando pela estrada à cata de uma carona depois de deixar o Acampamento Zequinha, também do MST, vindo de uma manifestação em Belo Horizonte, que nem me lembro mais qual o motivo, pois eram tantas lutas, tantas PECs da morte, tanto genocida no poder.

Essa carona, aliás, nos revelou um desses mistérios da vida: coincidência ou providência divina, o veículo era o mesmo que lhes dera carona de Córrego do Barro para o Centro de Brumadinho onde encontraríamos com o ônibus do MST para irmos para Belo Horizonte. O motorista, morador da vizinha localidade de Tejuco, era um atingido, sobrevivente dos crimes da mineradora VALE S/A, que escapara da morte por um triz. Dada a carona pela segunda vez no dia, o motorista disse que teria que passar em algum lugar. Ravel, sua mãe Ione e os seus também tinham que passar num lugar, um supermercado, “para comprar uma mistura”, me disseram eles. Passaram. Quando saiam da loja, novamente o motorista apareceu (ou talvez fosse melhor eu dizer: novamente Deus mandou o motorista a eles) e lhes deu a terceira carona do dia, deixando-os à porta da casa de Rosângela Flores.         

  Ione, a mãe-militante-companheira de Ravel no mesmo MAM, doce Ione, deve estar arrasada hoje. Deve ser lindo ser militante e ter como militante, ombreando, o filho, a mãe! Com certeza, foi um tempo lindo de convivência militante entre eles! De sonhar juntos Outro Mundo Possível! O que tenho hoje para Ione é meu ombro militante! E meu coração também aos pedaços!  Hoje, minhas lágrimas se juntam a da mãe Ione.

  Mas, cara Ione, somos militantes! Aprendi com os valorosos companheiros do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que cada companheiro, cada companheira que tomba, é semente! Nós, militantes, precisamos sempre manter a esperança! A fé inabalável! O jovem menino Ravel se torna semente para nós. 

  Sua militância servirá de exemplo para outros jovens e meninos!

  O corpo de Ravel já não está mais entre nós. Mas ele, cujo nome em latim significa “Rebelde”, continuará entre nós. Até que toda injustiça seja eliminada da face da Terra Redonda.

Ravel: Presente! Presente! Presente!  

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2 – Ravel, missionário revolucionário no meio do povo atingido pela violência das mineradoras!

Frei Gilvander Moreira, da CPT/MG: “Estou estremecido com a travessia do Ravel bem antes da hora para a vida plena, com apenas 22 anos de idade. Ravel, grande militante do MAM, deixou Caetité, sua terra natal na Bahia e veio para Brumadinho, MG, participar da Brigada Carlos Drummond de Andrade, do MAM, de solidariedade com o povo golpeado pelo crime imenso da Vale S/A e do Estado. Aprendi a admirar e a respeitar o Ravel desde o 1º dia que o encontrei em Brumadinho na luta ao lado das famílias não apenas atingidas, mas dilaceradas pelo crime continuado da Vale S/A e do Estado. Que maravilha um jovem deixar sua terra natal, Caetité, na Bahia, e vir como missionário pobre, só com a roupa do corpo e sandálias nos pés, durante muito tempo, visitar as famílias, ouvir, dialogar, consolar e organizar o povo vítima da ditadura das mineradoras e de um Estado cúmplice e, assim, ajudar o povo a passar do luto à luta!”, bradava no meu coração toda vez que eu encontrava Ravel e outros jovens do MAM na região de Brumadinho. Ravel, na noite de 24/7/22, fez sua travessia para a eternidade em um acidente de moto em Caetité, BA. Agora em vida plena, Ravel, viverá sempre em nós nos inspirando e nos animando na luta firme por todos os direitos. RAVEL, PRESENTE SEMPRE EM NÓS NA LUTA SEMPRE! Ravel não “morreu”, foi semeado. Deixou um imenso legado de luta por direitos, de humanismo, de amor ao próximo de forma libertadora. Abraço terno à Ione, querida mamãe do Ravel, militante exemplar, e à família de sangue e de luta de Ravel. Ravel, na luz divina estará sempre nos inspirando, nos protegendo nas lutas necessárias. Ravel, jovem imprescindível, pois lutou a vida toda pelo justo.”

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3 – Ravel, um anjo humano no nosso meio!

Alenice Baeta, do CEDEFES: “Ravel, meu amigo querido, você tão jovem e tão generoso, carinhoso, inteligente, politizado… aprendi muito com você. Você veio para nos amparar e apoiar na luta contra os poderosos e deixou só amor e força na luta!!! Nunca tinha conhecido um jovem tão bem informado e preparado como você! Te disse isto… e você abriu um belo sorriso e me deu um forte abraço. Um anjo que passou em nossas vidas. Muito Obrigada por ter te conhecido. Acendeu uma luz em meu coração. Minas Gerais te ama!

Gratidão

RAVEL!!!

Gratidão

Ravel!!! Muita força para a sua guerreira mãezinha e familiares. RAVEL!!! RAVEL!!! RAVEL!!! Presente! RAVEL…para sempre.

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