Diante do presépio, somos todos magos e magas. Por padre e monge Marcelo Barros

No Brasil, a CNBB transferiu a festa da Epifania do 6 de janeiro para o domingo mais próximo, ou seja, este. A Epifania, ou como algumas Igrejas ortodoxas chamam Teofania (a manifestação humana de Deus) é a mais antiga celebração do Natal. Celebra que o Cristo, nascido em Belém e anunciado aos pastores se manifesta Salvação para toda a humanidade. Por isso, nesta festa lemos como evangelho Mateus 2, 1- 12.
Conforme esse evangelho, magos, sacerdotes da antiga religião persa, foram render homenagens a Jesus e são acolhidos por Deus em sua busca. Eram como pais de santo daquela época. A tradição popular os chamou de reis e os considerou sábios – intelectuais. Ao contrário, no tempo dos evangelhos, o termo “magos” era usado no sentido de que hoje usamos “bruxos”. Na tradição bíblica, eram vistos com maus olhos e tidos como gente não recomendável (nada de santos).
O evangelho de Mateus conta que os magos foram os primeiros a encontrar Jesus. O evangelho não diz quantos eram. A tradição cristã os coloca como três e até dá nome a cada um. Pinta um deles como negro e uma tradição oriental estampava um deles como jovem mulher. Tudo isso para simbolizar a universalidade desse encontro macro-ecumênico: Jesus menino e os magos.
Comumente, os padres e pastores dizem: “Os magos vêm de longe para adorar a Jesus, portanto para ser cristãos”. Essa forma de compreender o evangelho é contrária à novidade que o evangelho quis anunciar. O texto de hoje se conclui dizendo que depois de encontrar Jesus, eles voltaram para os seus países, isso é, para a sua cultura e realidade.
Mateus conta a história dos magos como comentário do poema de Isaías 60. Nessa perspectiva, a acolhida de Jesus é abertura ao outro. Belém e o presépio simbolizam um encontro de culturas e de religiões e não apenas o outro que entra na nossa.
Os magos seguem uma estrela. São astrólogos e o evangelho não critica isso. Conta que se prostraram diante do Menino como, na época, se prostravam diante de qualquer soberano oriental. Oferecem ouro, incenso e mirra, O oráculo de Isaías 60 e o salmo 72 se referem a reis que vêm de longe trazendo seus tesouros como tributos ao rei Messias. O evangelho diz que são presentes e não tributos. Ouro, incenso e mirra eram usados em cultos de religiões de mistério no Oriente. Hoje, lemos nas Bíblias: abrindo os seus tesouros, ofereceram ouro, incenso e mirra. Alguns manuscritos antigos trazem um termo grego que, no lugar de tesouros, falam em sacos de viagem, bagagem de andarilhos, quase de mendigos…. Gente como hoje o povo da rua.
Cada um de nós vive uma busca interior. Uns com mais intensidade e coragem. Outros se acomodam e deixam sua busca meio adormecida. Alguns nem percebem mais essa busca interior e ela é quem dá sentido à nossa vida. Nesses dias, em algumas regiões do Brasil, comunidades pobres fazem novenas e folias de Reis. Assim, nos lembram a todos que temos de retomar, permanentemente, nossa peregrinação. No século XVI, o místico São João da Cruz denominou a nossa peregrinação, simbolizada pelos magos, como “caminho na noite escura da fé”. Infelizmente, muitas vezes, as Igrejas fazem de si mesmas não mais a casa de Belém, onde as pessoas que vêm de longe podem encontrar o Menino e sim um centro religioso que atrai as pessoas para si.
Manter-se na estrada supõe aceitar ser pequenino, desprotegido e quase sempre marginal… Nem todo mundo topa isso. Conforme os evangelhos, a Igreja não deveria nem ser a pousada e sim o grupo que caminha juntos. Por isso, é assembleia (Igreja) e não templo ou religião. O caminho é guiado pela estrela e não pela pousada.
A história dos magos é uma parábola. Conforme essa história, não foi fácil para aqueles bruxos do Oriente reconhecer um novo chamado divino, através da luz da estrela. Eles não compreendiam que Deus os chamava para caminhar, não na direção de algum centro de peregrinação importante, mas de uma aldeiazinha perdida nas montanhas da Judéia chamada Belém. Estavam procurando um centro do poder religioso e político. Por isso, foram a Jerusalém e procuraram o rei Herodes. Esse contato dos magos com Herodes e com os sacerdotes só deu problema. Eles acabaram involuntariamente provocando o massacre dos inocentes e a perseguição de Herodes ao menino Jesus. Os sacerdotes da religião correta (doutores da lei) sabiam a verdade – interpretaram corretamente a profecia de Miqueias na Bíblia – mas isso não os levou a Deus. Já os xamãs vindos do Oriente, que não tinham Bíblia, nem conheciam a verdadeira fé, foram adorar e reconheceram em uma criança pobre a presença divina.
O texto diz que a estrela que em Jerusalém tinha desaparecido do céu, reaparece quando eles deixam a cidade e seu templo e os conduz a Belém. Deus se encontra na casa da periferia, na gruta que não tem portas nem muros. Adorar é admirar-se, é reconhecer o divino no humano, em todo ser humano, mas especialmente no mais pequenino e pobre.
Os presentes dos magos são simbólicos dos presentes que devemos dar a todo ser humano, como sendo dados a Jesus. Ao oferecer a Jesus o ouro, os magos profetizam o reconhecimento da dignidade e do valor inestimável de todo ser humano, ali representado no menino de Belém. Toda criança merece que se ponham a seus pés toda a riqueza do mundo. O incenso significa o desejo de que a vida dessa criança desabroche e se eleve até Deus. Todo ser humano é chamado a ser divino, a se divinizar. A mirra é medicamento para aliviar os sofrimentos e significa que todo ser humano é frágil e merece cuidado. O menino de Belém é símbolo de que Deus introduz no mundo uma nova magia: fazer história a partir dos pequeninos. É esse caminho que devemos retomar e reacender como luz da estrela nas estradas da vida.