Íntegra da fala do Prof. João Luiz Jacintho na Câmara dos Vereadores de Araçuaí, MG, em defesa da APA Chapada do Lagoão

Íntegra da fala do Prof. João Luiz Jacintho na Câmara dos Vereadores de Araçuaí, MG, em defesa da APA Chapada do Lagoão

Senhor Presidente, senhoras e senhores vereadores, senhoras e senhores presentes, boa tarde.

Inicio minha fala reafirmando algo que deveria ser óbvio em qualquer ambiente público: o respeito às instituições e ao ordenamento jurídico é um dos pilares do Estado Democrático de Direito e do desenvolvimento sustentável.

Sem respeito à Constituição, às leis e à estrutura institucional que garante os direitos coletivos, corremos o risco de substituir a democracia pelo improviso e o interesse público pelos interesses de poucos.

E é justamente esse risco que estamos enfrentando aqui hoje.

A tentativa de redução da Área de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Lagoão, como tem sido conduzida, fere os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade, da transparência e da participação popular.

O Ministério Público, por meio do Promotor de Justiça Dr. Rauali Kind Mascarenhas, cumprindo seu dever constitucional, apontou irregularidades claras nos procedimentos adotados por essa casa e também sobre características do PL apresentado pelo prefeito. São elas:

Ausência do prazo mínimo de 45 dias para convocação da audiência pública;

Falta de participação efetiva das comunidades diretamente atingidas;

Fragilidade técnica da justificativa para retirada de quase 6.000 hectares da APA, quando o problema de ocupação mencionada envolve menos de 100 hectares.

Ao invés de acolher as recomendações do Ministério Público com responsabilidade institucional, alguns vereadores optaram por um caminho perigoso: desqualificar o promotor com ataques, questionando o fato de ele “não ser de Araçuaí”. Isso não é apenas desrespeito pessoal — é desrespeito ao ordenamento jurídico brasileiro e à Constituição Federal, que define o Ministério Público como instituição essencial à ordem jurídica e à proteção dos interesses difusos, como o meio ambiente (art. 127 e 129 da CF).

E diante do desrespeito, o promotor anunciou: irá judicializar a questão.

E faz muito bem. Porque a lei existe para ser cumprida — e não contornada.

Também já fui desrespeitado em outra ocasião,  por não ser de Araçuaí, e que de acordo com um vereador: só sabia do que estava apresentando e defendendo,  porque estudei sobre isso. Nisso, preciso concordar com ele, desde 2005 eu venho estudando Engenharia e dedicando a minha vida a aprender cada dia mais e desde 2015 tenho o privilégio de também ensinar no ifnmg campus Araçuaí, instituição que se tornou a prioridade da minha vida, abrindo mão do convívio familiar para contribuir com o desenvolvimento de jovens e adultos. Destaco entre eles a Anne que teve uma excelente fala nessa tribuna, a Sebastiana que encontrei aqui na audiência, além dos filhos de alguns vereadores dessa casa, do prefeito, do vice prefeitos, entre muitos outros.

É lamentável ouvir que a transferência de recursos entre campi do IFNMG tenha sido chamada, de forma irresponsável e equivocada, de “pedalada fiscal”. Estamos falando de uma emenda parlamentar legalmente destinada, com objetivo claro: a elaboração do plano de manejo da APA Chapada do Lagoão, um instrumento essencial para garantir o uso sustentável das terras por seus proprietários e a conservação ambiental da região. A execução orçamentária dentro de uma mesma instituição federal de ensino, como o IFNMG, obedece a regras rígidas de controle, com total transparência, registro nos sistemas oficiais e acompanhamento por órgãos de fiscalização. Confundir um procedimento administrativo legítimo com um crime de responsabilidade é desinformar a população e desqualificar uma política pública que só trará benefícios à cidade e ao território.

Ainda falando sobre desrespeito, é inadmissível que um vereador de outra comarca, sem qualquer vínculo institucional com a realidade de Araçuaí, venha a esta Casa para atacar, com viés ideológico e desprezo pela verdade, instituições sérias como a Cáritas, o CPCD e tantas outras que há décadas atuam na defesa da educação, dos direitos humanos, da agroecologia, da cultura e da dignidade dos mais pobres.

Atacar essas instituições por serem “de esquerda” é repetir a retórica vazia de quem prefere destruir pontes a construir soluções. Em vez de contribuir com o debate, opta por espalhar desinformação e intolerância. Não se governa com ressentimento. Não se faz política pública com ódio. E muito menos se contribui com Araçuaí promovendo a criminalização de entidades que trabalham onde o Estado muitas vezes não chega.

O mesmo sujeito, questionou os assessores que estão aqui hoje representando deputados, argumentando que eles deveriam estar aqui. E o prefeito? Alguém viu ele por aqui? Se o projeto é tão “bom para a cidade”, por que o próprio prefeito nunca teve coragem de o defender publicamente? Por que não participa dessa audiência ou das reuniões que já foram promovidas pela Câmara? Por que fala apenas dentro do gabinete, para um público de adolescentes em vídeos preparados? Por que jogou essa bomba no colo dos vereadores?

Aproveitando a oportunidade, aqui vão algumas perguntas que precisam ser respondidas nesta Casa:

Quantos proprietários foram autuados pela Secretaria de Meio Ambiente nos últimos quatro anos dentro da APA?

Se o problema é o uso indevido ou a ocupação irregular, por que não há ação fiscalizatória, educativa e de regularização fundiária consistente? O que foi feito nesse sentido nos últimos quatros anos?

Se a dificuldade está na distribuição de zonas de manejo para uso agrícola sustentável, por que não se propõe a alteração do plano de manejo — como prevê o próprio SNUC — em vez de simplesmente diminuir 23% da área protegida?

É legítimo que muitos proprietários rurais expressem insatisfação e dúvidas sobre os limites de uso de suas terras dentro da APA — mas diante disso, precisamos perguntar: quais ações concretas foram executadas pela Prefeitura Municipal, durante o primeiro mandato do prefeito Tadeu, para atender às demandas desses proprietários e das comunidades que vivem na Chapada do Lagoão? Houve assistência técnica? Campanhas educativas? Apoio à regularização fundiária? Incentivo à produção agroecológica? O que faltou não foi território, foi política pública. Reduzir a APA agora não resolve o abandono de antes. O caminho correto é construir, com diálogo e transparência, o plano de manejo, com zoneamento participativo e regras claras, que garantam segurança jurídica e qualidade de vida para quem vive e protege esse território todos os dias.

Estamos diante de um relatório técnico que deveria embasar o projeto de lei, elaborado pela empresa Arcos Verde e ONG Zeladoria do Planeta, que na minha opinião técnica apresenta fragilidades graves e, segundo o próprio prefeito, foi custeado por um “Acordo de Cooperação Técnica”. Pergunto ao Executivo: nesse acordo houve uso de recursos públicos? Se sim, quanto custou? Cadê o contrato? Onde está o controle externo? Qual foi o critério de escolha da empresa? A secretaria de Meio ambiente participou da escolha da empresa e da fiscalizatória de sua atuação? A secretaria de Meio ambiente chancela e apoia a proposta apresentada?

Me causou perplexidade ouvir, nesta audiência, o representante da empresa Arcos Verde afirmar que a lei que criou a APA Chapada do Lagoão seria inconstitucional. Essa afirmação não apenas é infundada, como revela desconhecimento da legislação ambiental brasileira. A Lei nº 89/2007 foi regularmente aprovada e fundamentada pelo trabalho da EMATER e está plenamente em vigor. Sobre o projeto apresentado pelo prefeito, a inconstitucionalidade ocorre na pretensão de reduzi-la, e fez o Ministério Público de Minas Gerais recomendar a suspensão da tramitação desse projeto, com base na ausência de consulta prévia às comunidades tradicionais, como determina a Convenção 169 da OIT e os princípios constitucionais da legalidade, moralidade e participação popular.

Ao representante da empresa e ao pesquisador que falou sobre alguns dados do município, gostaria de perguntar se ambos entendem o conceito de ecótono? Entendem que uma zona de uma transição de biomas tem características diferentes do restante do município? Apesar da semelhança no uso e ocupação do solo, existem muitas diferenças em relação a biodiversidade das vertentes da chapado, do que do restante do município.

Conforme apresento em documentos cartográficos com base nos dados da ANM, já existem empresas mineradoras com licenciamento em andamento na área que se pretende subtrair. Podemos afirmar então que há evidências públicas de que sim — o que está em jogo aqui não é uso sustentável: é especulação, exploração e entrega do território à lógica do lucro imediato.

Quem está dando as cartas nesse processo? Ela por acaso está na capa da revista Forbes como uma das mulheres mais poderosas do Brasil? Quem ganha e quem perde com a flexibilização da proteção ambiental?

Senhoras e senhores, a defesa da APA Chapada do Lagoão não é uma bandeira partidária, não é uma pauta da “esquerda” ou da “direita” — é uma exigência constitucional, ética e intergeracional. Porque não se governa para um ciclo político de quatro anos. Governa-se, ou deveria se governar, para um futuro mais justo, mais equilibrado e mais sustentável.

É importante reafirmar que a elaboração de um plano de manejo atualizado e participativo para a APA Chapada do Lagoão não significa limitar ou inviabilizar o uso das propriedades rurais — pelo contrário, trata-se de um instrumento técnico e legal que garantirá segurança jurídica, clareza nas regras e condições reais para que os proprietários possam utilizar suas terras de forma sustentável, produtiva e respeitosa com o meio ambiente. O plano de manejo será construído com diálogo, ouvindo quem vive e trabalha no território, e permitirá definir zonas específicas de uso, conciliando preservação com desenvolvimento econômico, sem a necessidade de reduzir a área protegida.

Como disse Eduardo Galeano, “a história é um profeta com os olhos voltados para o passado: por aquilo que foi, e contra aquilo que foi, anuncia o que será.” Que esta história de hoje, que tenta ser escrita às pressas e sob pressão, não se torne amanhã um capítulo de vergonha para nossa cidade.

Muito obrigado. João Luiz Jacintho, Professor – IFNMG

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