Onde, hoje, o Ressuscitado se deixa ver (Jo 20,19-31) – Por padre Marcelo Barros

Onde, hoje, o Ressuscitado se deixa ver (Jo 20,19-31) – Por padre Marcelo Barros

Irmão Marcelo Barros

Este segundo domingo da Páscoa, dia 07/04/24, em algumas comunidades, por causa do evangelho que é lido – João 20,19-31 – se chama “da confissão de Tomé”. De fato, hoje lemos as duas cenas de aparição de Jesus Ressuscitado à comunidade de seus discípulos e discípulas. A primeira foi no próprio domingo da ressurreição. Cada reunião da comunidade de fé, cada celebração que fazemos, é como a continuação ou prolongamento daquele encontro dos discípulos e discípulas no domingo da Ressurreição. Em cada celebração, de fato, podemos dizer: Ele está no meio de nós. E sim, ele se deixa “ver” pelos olhos novos da fé e nos traz a Paz, a alegria e o perdão. A Paz da aliança (shalom, ou na linguagem Xucuru: Bremen). A alegria amorosa do reencontro. No discurso de despedida, Jesus tinha dito:

Em verdade, em verdade, vos digo: vós chorareis e vos lamentareis e o mundo se alegrará. Estareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria. Quando mulher está para dar à luz, sente tristeza, porque chegou a sua hora. No entanto, depois de ter dado à luz, nem se lembra mais da aflição pelo prazer de ter trazido ao mundo uma vida nova. Assim também, vós: agora estais tristes, mas hei de vos ver de novo e o vosso coração se alegrará e ninguém tirará de vós esta alegria” (Jo 16,20-22).

É para mostrar essa promessa de Jesus realizada que o evangelho de hoje diz com toda força: “Ao verem o Senhor, os discípulos (e discípulas) se encheram de uma alegria imensa”.

Diariamente, durante os 50 dias do tempo pascal, no rito monástico da Liturgia das Horas, os irmãos repetirão esse verso: “Os irmãos se encheram de uma grande alegria, aleluia, ao verem o Senhor Ressuscitado, aleluia”.

Até hoje, no Judaísmo há uma festa Sinchat Torá, a alegria da Lei, na qual os rabinos e pessoas que lidam com os livros sagrados se embriagam e saem pelas ruas dançando de alegria com o livro da Torá. Nós, cristãos e cristãs, precisamos encontrar modos de expressar essa alegria da fé.

A segunda manifestação de Jesus, narrada no evangelho, ocorreu oito dias depois, no domingo que celebramos hoje. E essa é centrada na pessoa de um discípulo: Tomé. Ele representa os discípulos que têm dificuldade de crer na vida nova de Jesus. Os outros tinham medo, tinham dúvida e se fechavam em uma sala… Mas, ficavam juntos. Ele, não. A fé dele parece ser mais individualista, era eu e Deus… E não previa cruz, chagas. (Só se eu tocar nas chagas dele, vou crer que isso é assim, é real). Jesus se deixa ver e se deixa tocar… Ao se mostrar aos discípulos, mesmo com portas fechadas, não mostra nenhuma luz especial, não fala de vitória nenhuma, não voa, nem parece ter nada de especial… Mostra as chagas. É ao mostrar suas chagas que ele revela estar vivo e vitorioso. Jesus ressuscitado, com essas chagas abertas no seu corpo parece ainda mais humano do que era antes da sua morte.

Uma lenda sobre São Martinho de Tours conta que um dia, o diabo aparece a Martinho nas aparências do Cristo. Mas, Martinho não se deixa enganar. Ele pergunta ao diabo: “ – Se você é mesmo o Cristo ressuscitado, onde estão suas chagas?”

É permitindo que vejam suas chagas que o Cristo ressuscitado ressuscita os discípulos fazendo-lhes passar do medo à liberdade, à paz e à alegria… ao perdão. Ele nos convida, hoje, para essa ação de misericórdia: reconstruir as nossas vidas através do perdão a nós mesmos e do perdão aos outros. Só quando temos coragem de fazer como Jesus ressuscitado e mostrar as feridas (interiores e sociais) que temos, parece que a vida pode se recompor, ou melhor, ressuscitar – se torna nova…

   Só Jesus ressuscitado pode realizar essa reconstrução de nossa vida… É verdade que, pela nossa ação de misericórdia (solidariedade afetuosa, ou seja, vivida com o coração – como dizia Santo Agostinho: misericórdia vem do latim: miser cor dare: dar o coração a quem precisa). Não se trata de uma atitude de comiseração ou de pena. É de comunhão que nos impulsiona para frente e é vivida a partir de uma visão de vida nova e inserida. Assumir as feridas uns dos outros e caminhar juntos. Aí vamos ressuscitando…. no dia a dia….

         Que o Espírito que Jesus soprou sobre a comunidade nos faça ir além de um Cristianismo espiritualista e desligado das dores do cotidiano, no qual as pessoas parecem sem corpo ou com o corpo só da cintura para cima. É preciso passar para uma fé de corpo inteiro e que assume todas as feridas interiores e humanas e assim ressuscita com Jesus. Invoquemos o Espírito Santo – sopremos uns sobre os outros e outras, como Jesus fez sobre os discípulos – ao soprar, refez o gesto que Deus fez com a primeira humanidade terrena ou terráquea (Adão) e assim nos dá não mais apenas essa vida orgânica que integra a dimensão vegetal e animal (e precisa integrar), mas também a vida nova do Espírito dele ressuscitado que recebemos para viver…

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