EM MEIO A TANTOS CONFLITOS, MANTER-SE LIGADO À COMUNIDADE (Jo 10,27-30) – Por Marcelo Barros

Neste 4º Domingo da Páscoa do ano C, o lecionário propõe como evangelho João 10, 27 a 30. São apenas três versos retirados da parte final do texto que da última polêmica de Jesus com os religiosos do templo e guardiães da lei de Deus que tinham dificuldade de aceitar a proposta de uma profecia crítica em relação à religião ritual do templo.
O quarto evangelho mostra Jesus indo ao templo pela última vez durante a festa da consagração do templo. Ali Ele se apresenta às autoridades religiosas como sendo o Pastor verdadeiro que reúne as ovelhas no rebanho que pertence ao Pai e chega a dizer: “Eu e o Pai somos Um”. Os religiosos consideram essa palavra uma blasfêmia já que ele se considerava igual a Deus. Jesus argumenta citando o Salmo 82 que diz aos juízes: Vocês são deuses. Portanto, ninguém pode condená-lo por dizer que é Filho de Deus.
Muito provavelmente, essa polêmica entre Jesus e os religiosos do seu tempo foi transcrita no final do século I pelo evangelho de João para responder aos conflitos internos das comunidades cristãs naquele momento em que o evangelho foi escrito. Nas comunidades, havia um grupo cristão muito preso à lei, aos costumes religiosos judaicos e a uma religião tradicional que considerava errada e herética a postura muito livre de alguns das comunidades que tinham rompido com a sinagoga e com certos ritos.
O evangelho lembra o debate de Jesus com os religiosos do templo de Jerusalém para mostrar às pessoas cristãs das comunidades joanina de que lado Jesus estava: do lado da liberdade e da profecia.
O contexto histórico dessas palavras teria sido a festa da Dedicação do Templo. Era uma festa anual que recordava a nova consagração do templo depois que este tinha sido profanado pelos conquistadores sírios, com a conivência dos sacerdotes da época. Do mesmo modo, no tempo de Jesus, os sacerdotes do templo de Jerusalém se aliaram aos romanos para manter o poder e os privilégios dos religiosos. Atualmente, há ministros cristãos, católicos, evangélicos e pentecostais que se unem a governos de direita e de tipo ditatoriais, contanto que estes aceitem manter privilégio para as Igrejas que eles representam.
Atualmente, vivemos outra ordem de conflitos internos nas comunidades eclesiais, mas o espírito que está por trás não é diferente. Tanto na época do evangelho como hoje, grupos conservadores e tradicionalistas se apresentam como sendo mais religiosos do que os outros e parecem tratar sempre de assuntos de fé. No entanto, no fundo, legitimam a política genocida que domina o mundo e os impérios.
Na época do quarto Evangelho, Jesus propunha distinguir quem é pastor e quem é funcionário. Esta parábola tinha um sentido político, porque, na sua cultura, os governantes eram chamados de pastores. No entanto, o debate de Jesus não era diretamente com os políticos romanos. Era com os religiosos judeus do templo que serviam como mediadores entre o império e o povo.
Em nossos dias, no Brasil, salvo algumas honrosas exceções, (graças a Deus sempre temos profetas e profetizas), há bispos, padres e pastores que lutam com unhas e dentes contra propostas como o aborto terapêutico, a união legal entre pessoas homoafetivas e outras medidas ligadas à moral sexual. No entanto, não reagem de modo claro e forte em relação à Ética social e política que beneficia a elite contra as populações empobrecidas.
Em situações assim, às vezes, as pessoas se perguntam: como podemos ter certeza de estar do lado do Cristo?
Nestes momentos, Dom Pedro Casaldáliga respondia: “Na dúvida, se coloque sempre do lado dos pobres”. Mas, mesmo isso nem sempre isso é muito claro. Nos tempos do Evangelho de João, também não era claro para os cristãos judaizantes, como no tempo de Jesus não era para os que debatiam com Jesus no templo.
Atualmente, essa imagem de pastor e ovelhas não reproduz a cultura de pertença afetiva e cuidado que havia no campo na época de Jesus. Talvez, hoje, a imagem que mais corresponde é a de alguém que cuida e das pessoas que são cuidadas. Nos versículos que lemos hoje, Jesus propõe três atitudes que revelam quem pode dizer que pertence ao rebanho do Cristo. Três posturas que dizem se, de fato, pertencemos ao seu convívio de intimidade. No texto do evangelho que escutamos hoje, Jesus afirma claramente:
1º – Minhas ovelhas escutam a minha voz, como voz do Pastor que as conduz,
2º – elas me conhecem
3º – e me seguem”.
Então, as três atitudes são: escutar, conhecer e seguir.
Como se concretizam hoje estas três atitudes em relação ao Cristo?
É a escuta da Palavra que serve de critério e nos abre ao conhecimento do Pastor que nos guia. Um conhecimento que não é só intelectual. Não é apenas teórico. É pessoal e íntimo como um relacionamento amoroso.
Escutar supõe se abrir ao chamado que nos pede mudanças. Conhecer significa se identificar com a causa do reino de Deus que Jesus testemunhou e anunciou. Como diz o apóstolo Paulo: “tenham em vocês os mesmos sentimentos e o mesmo modo de ser que foram os de Jesus” (Fl 2, 5). Seguir é consequência do escutar e do conhecer. Significa mais do que caminhar atrás. É atualizar para hoje a causa e o projeto de Jesus.
A luz do Cristo Ressuscitado se revela cada vez que conseguimos criar relações humanas profundas, capazes de perdurar no tempo e no mais profundo de nossas vidas. Conforme as palavras de Jesus, isso é dom de Deus, Pai de amor, que inspira a toda humanidade a viver a vocação do amor solidário nesta construção de um mundo novo possível, urgente e necessário.
Obs.: A videorreportagem no link, abaixo, de alguma forma VERSA sobre o assunto tratado, acima.
1 – EVANGELHO Jo 10,27-30: EM MEIO A TANTOS CONFLITOS, MANTER-SE LIGADO À COMUNIDADE E OUVIR AS VÍTIMAS.