Lc 1, 39-45 – Ano C: REFLEXÕES INSPIRADORAS PARA o 4º Domingo do Tempo do Advento – 22/12/24
SOMOS SERES DE VISITAS E VISITADOS(AS) – PorPadre Adroaldo
“Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?” (Lc 1,43)
O relato evangélico deste 4º Domingo de Advento nos revela o verdadeiro sentido do “visitar” e ser “visitado(a)”. Logo após a “anunciação”, Maria fecha a porta de sua pequena casa em Nazaré e inicia apressadamente o caminho para as montanhas, a um povoado de Judá, onde vivia Isabel. O impulso de seu coração movia velozmente seus pés.
Vamos nos deixar conduzir por Maria e vamos com ela “de visita” à casa de Isabel.
O Sublime se digna visitar o pequeno; o “Emmanuel” se manifesta nos sinais mais simples: duas mulheres, uma casa, um encontro, uma saudação… O AT e o NT se encontram e se acolhem, fora dos espaços sagrados da religião oficial. A partir de agora, devemos encontrar Deus no cotidiano, na vida. Jesus, já desde o ventre de sua mãe, começa sua missão de levar aos outros a salvação e a alegria. Tudo quer indicar que a verdadeira salvação sempre repercutirá em benefício dos demais; quando alguém a descobre, imediatamente quer comunicá-la. A visita comunica alegria (o Espírito), também à criança que Isabel carregava em seu ventre.
Aquelas mulheres grávidas, esperançadas e cheias de fé, envolvidas no silêncio da promessa de Deus, se encontram e, no mesmo instante do abraço, a palavra se faz presente com a intensidade da compreensão, da alegria e da intimidade compartilhada.
Elas estavam felizes. Isabel gritou de júbilo e “a criança saltou de alegria em seu ventre”. E Maria proclamou exultante a oração de louvor e agradecimento ao Deus da Vida. O “Magnificat” recolhe o louvor da orante que se descobre, a partir de sua humildade, fecundada pelo seu Senhor, dentro da História da Salvação.
“Visitar” implica mover-se, para perto ou longe, sair, colocar-se em marcha, abandonar o espaço de conforto, adentrar-se na realidade da outra pessoa. Por outro lado, a pessoa visitada abre a porta de seu espaço vital e acolhe aquela que vem “de visita”.
“Visitar” exige irremediavelmente investir tempo: quem tem tempo hoje para presenteá-lo desinteressadamente? A visita começa a dar frutos desde o primeiro instante, se há uma boa predisposição. A atitude de quem visita e de quem é visitada é elemento primordial.
Maria permaneceu em casa de Isabel durante três meses e depois voltou para sua casa. Deslocou-se, investiu seu tempo e podemos imaginar o quão maravilhosos foram os três meses que elas passaram juntas, acolhendo-se mutuamente, vendo como a vida crescia dentro delas, cuidando-se, compartilhando…
No contexto social em que vivemos, cada vez mais fragmentado e individualizado, as relações vão se tornando líquidas em manifestações muito superficiais; reduzidas a um mero contato tecnológico através das redes sociais, Whatsapp, Instagram, etc., nos perguntamos se ainda tem significado o fato de visitar, para além de um contato comercial, de captação de clientes, ou do médico quando o paciente não pode se mover da cama.
Depois de empapar-nos do evangelho deste domingo é preciso nos perguntar: a que nos impulsiona o “movimento” de Maria visitando Isabel. E, se realmente, o fato de visitar tem um significado em nossa vida.
Há uma infinidade de pessoas, aí fora, esperando uma visita, um encontro de pessoa a pessoa.
Há muita necessidade de abraços e de afeto, que não se solucionam com “emojis” e fotos com preciosos textos de boas intenções no celular.
Há uma sede de presença física, de escuta, nas alegrias e nas dores de muitas pessoas; há enfermos crônicos que aguardam o consolo de uma visita gratuita e alegre que quebre a sua solidão.
Há muitos idosos que vivem sozinhos, cuja porta da casa nunca se abre para receber, porque ninguém se aproxima para ser recebido. Há muitos imigrantes que ultrapassam fronteiras, fugindo de seus lugares de origem e que precisam ser escutados, recebidos, alentados etc.
No contexto rural de nosso país ainda se conserva o bom hábito de “fazer visitas” e a casa torna-se espaço humano de partilha, convivência, festa, ajuda mútua…
Por outro lado, sobretudo nos grandes centros, as casas estão cercadas por uma parafernália eletrônica de segurança, com entrada rigorosamente controlada, alarmes contra invasores…, impedindo o acesso até dos mais próximos (parentes, amigos…). Com os familiares e amigos trocam-se frias mensagens eletrônicas em vez de visitas; com os desconhecidos, contato virtual descompromissado.
Além disso, há uma doença que afeta praticamente todas as casas: nelas, há muito mais espelhos que isolam as pessoas do que janelas que se abrem para a realidade externa.
As janelas abertas permitem ampliar nosso horizonte. Através delas purifica-se o ar denso, pouco respirável que geramos quando nos fechados em nós mesmos. Elas nos abrem à comunhão com a natureza, com os outros, com a realidade que nos cerca. Elas nos humanizam, pois servem para nos revelar quem somos para os outros e, assim, poder passar da janela à porta que se abre para que eles entrem em nossa vida. Outros rostos precisamos descobrir: rostos feridos, excluídos, carentes de proximidade e abraço.
Dentre as “obras de misericórdia”, citadas no juízo final (Mateus), duas delas fazem referência ao ato de “visitar”: visitar os enfermos e os presos.
Visitar é uma atitude humanizadora; requer um empenho pessoal, um estar atento aos detalhes da vida próxima, do entorno. Visitar não conta nas estatísticas. É uma ação muito silenciosa que não requer estruturas organizativas, nem contratuais. Sua essência está no reconhecimento e na acolhida mútua.
Este “reconhecimento” presente nas duas futuras mães – Maria e Isabel – se prolonga nos nossos “reconhecimentos cotidianos”; no reconhecimento está o “nascimento”, e viver o reconhecimento é, então, nascer a uma nova relação com o outro, numa comunhão profunda. Reconhecer-nos unidos, na diferença.
Na Visitação, as duas protagonistas, também, põem em destaque três importantes ações que Jesus depois vai potencializar na sua missão: acolher, animar e acompanhar a vida.
Segundo o Cardeal Martini, Maria, mulher do discernimento, depois da Anunciação, busca a confirmação de sua missão de ser a mãe do Messias. Sabemos que é a consolação que confirma determinada opção.
Na Visitação, Maria encontra três confirmações, através de uma tríplice alegria (três consolações).
Em primeiro lugar, a alegria de João Batista no ventre da mãe; em segundo lugar, a alegria de Isabel que estava grávida em sua velhice e reconhece em Maria a ação de Deus (através de seu canto); em terceiro, a alegria da própria Maria que se expressa no Magnificat.
A saudação na Visitação se transforma em um encontro no qual as duas protagonistas ficam confirmadas em seu afeto, sua fé e admiração. O encontro se converte em comunicação. O espírito de fecundidade que ambas, Maria e Isabel reconhecem como graça em sua carne, se tornou naquele momento graça de comunicação transparente.
E o clima festivo da Visitação se prolonga na história humana das visitas. E o primeiro “Visitador” é o próprio Deus.
Para meditar na oração:
Deus não é distância e solidão. Ele é comunicação, presença, libertação, visita providente.
Ele está perto. Sua proximidade nos causa espanto: Deus possibilita cada um “entrar” em sua casa e captar em profundidade a sua realidade, perceber a raiz do seu ideal de vida (cada vez mais atraente-convincente-exigente), como também suas contradições, ilusões, medos…
Neste “mergulho” interno, cada um pode construir uma espécie de mapa da própria casa, com as regiões fortes e fracas, vulneráveis e criativas, transparentes e ainda misteriosas…
– Como me sinto em minha casa? Preciso abri-la, arejá-la? Modificá-la? Iluminá-la? É acolhedora? Humanizadora?… Tem mais espelhos ou janelas?
– Como está minha casa interior? Preparada para acolher o Senhor que me visita constantemente?
– Há um “lugar sagrado” para Ele? há espaço para os outros?
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ACREDITAR É OUTRA COISA – Por José Antonio Pagola
Estamos a viver uns tempos em que cada vez mais o único modo de poder acreditar verdadeiramente vai ser, para muitos, aprender a acreditar de outra forma. Já o grande convertido John Henry Newman anunciou esta situação quando advertia que uma fé passiva, herdada e não repensada acabaria entre pessoas educadas em “indiferença“, e entre pessoas simples em “superstição“. É bom lembrar alguns aspectos essenciais da fé.
A fé é sempre uma experiência pessoal. Não basta acreditar no que os outros nos pregam sobre Deus. Cada um só acredita, em suma, no que realmente acredita no fundo do seu coração ante Deus, e não no que ouve dizer a outros. Para acreditar em Deus é necessário passar de uma fé passiva, infantil e herdada para uma fé mais responsável e pessoal. Esta é a primeira pergunta: acredito em Deus ou naqueles que me falam dele?
Na fé, nem tudo é igual. Temos de saber diferenciar o que é essencial e o que é acessório, e, depois de vinte séculos, há muito de acessório no nosso cristianismo. A fé daquele que confia em Deus está para além das palavras, das discussões teológicas e das normas eclesiásticas. O que define um cristão não é ser virtuoso ou cumpridor, mas viver confiando num Deus próximo pelo que se sente amado sem condições. Esta pode ser a segunda questão: confio em Deus ou fico preso noutras questões secundárias?
Na fé, o importante não é afirmar que se acredita em Deus, mas sim saber em que Deus se acredita. Nada é mais decisivo do que a ideia que cada um faz de Deus. Se acredito num Deus autoritário e justiceiro, acabarei por tentar dominar e julgar todos. Se acredito num Deus que é amor e perdão, viverei amando e perdoando. Esta pode ser a pergunta: em que Deus acredito? Num Deus que responde às minhas ambições e interesses ou no Deus vivo revelado em Jesus?
A fé, por outro lado, não é uma espécie de “capital” que recebemos no batismo e de que podemos dispor para o resto das nossas vidas. A fé é uma atitude viva que nos mantém atentos a Deus, abertos todos os dias ao seu mistério de proximidade e amor por cada ser humano.
Maria é o melhor modelo desta fé viva e confiada. A mulher que sabe ouvir Deus no fundo do seu coração e vive aberta aos seus desígnios de salvação. A sua prima Isabel louva-a com estas palavras memoráveis: “Bem-aventurada és tu, porque acreditaste!” Feliz também és tu se aprenderes acreditar. É o melhor que te pode acontecer na vida.
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A visita de Maria a Isabel – alegria no Espírito! – Por Carlos Mesters e Mercedes Lopes.
Para começo de conversa
Falta três dias para Natal – nascimento de Jesus. O texto de hoje nos fala da visita de Maria a sua prima Isabel. As duas eram conhecidas uma da outra. E, no entanto, neste encontro elas descobrem, uma na outra, o mistério que ainda não conheciam e que as encheu de muita alegria. Hoje também encontramos pessoas que nos surpreendem com a sabedoria que possuem e com o testemunho de fé que nos dão.
Chave de leitura
Na leitura que vamos refletir percebemos que Maria descobriu o mistério de Deus não só na pessoa de Isabel, mas também na história do seu povo.
Durante a reflexão vamos prestar atenção no seguinte: “Com que palavras e comparações Maria expressou a descoberta de que Deus está presente em sua vida e na vida do seu povo?”
Situando
Quando Lucas fala de Maria, ele pensa nas comunidades do seu tempo que viviam espalhadas pelas cidades do império romano. Maria é, para ele, o modelo da comunidade fiel. Descrevendo a visita de Maria a Isabel, ele ensina como aquelas comunidades devem fazer para transformar a visita de Deus em serviço aos irmãos e irmãs.
O episódio da visita de Maria a Isabel mostra ainda outro aspecto bem próprio de Lucas. Todas as palavras e atitudes, sobretudo o Cântico de Maria, formam uma grande celebração de louvor. Parece a descrição de uma solene liturgia. Assim, Lucas evoca o ambiente litúrgico e celebrativo, em que as comunidades devem viver a sua fé.
Comentando
Lucas 1,39-40: Maria sai para visitar Isabel
Lucas acentua a prontidão de Maria em atender as exigências da Palavra de Deus. O anjo lhe falou da gravidez de Isabel e, imediatamente, Maria se levanta para verificar o que o anjo lhe tinha anunciado, e sai de casa para ir ajudar a uma pessoa necessitada. De Nazaré até as montanhas de Judá são mais de 100 quilômetros! Não havia ônibus nem trem.
Lucas 1,41-44: Saudação de Isabel
Isabel representa o Antigo Testamento que termina. Maria, o Novo que começa. O AT acolhe o NT com gratidão e confiança, reconhecendo nele o dom gratuito de Deus que vem realizar e completar toda a expectativa do povo. No encontro entre as duas mulheres manifesta-se o dom do Espírito que faz a criança estremecer de alegria no seio de Isabel. A Boa Nova de Deus revela a sua presença numa das coisas mais comuns da vida humana: duas donas de casa se visitando para se ajudar. Visita, alegria, gravidez, criança, ajuda mútua, casa, família: É nisto que Lucas quer que as comunidades (e nós todos) percebamos e descubramos a presença do Reino. As palavras de Isabel, até hoje, fazem parte do salmo mais conhecido e mais rezado da América Latina, que é a Ave Maria.
Lucas 1,45: O elogio que Isabel faz a Maria
“Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor vai acontecer”. É o recado de Lucas às comunidades: crer na Palavra de Deus, pois ela tem força para realizar aquilo que nos diz. É Palavra criadora. Gera vida nova no seio de uma virgem, o seio do povo pobre e abandonado que a acolhe com fé.
Alargando a reflexão
O Segundo Livro de Samuel conta a história da Arca da Aliança. Davi quis colocá-la em sua casa, mas ficou com medo e disse: “Como virá a Arca de Javé para ficar na minha casa?” (2 Samuel 6,9). Davi mandou que a Arca fosse para a casa de Obed-Edom. “E a Arca de Javé ficou três meses na casa de Obed-Edom, e Javé abençoou a Obed-Edom e a toda a sua família” (2 Samuel 6,11). Maria, grávida de Jesus, é como a Arca da Aliança que, no AT, visitava as casas das pessoas trazendo benefícios. Ela vai para a casa de Isabel e fica lá três meses. E enquanto está na casa de Isabel, ela e toda a sua família são abençoadas por Deus. A comunidade deve ser como a Nova Aliança. Visitando a casa das pessoas, deve trazer benefícios e graça de Deus para o povo.
A atitude de Maria frente à Palavra expressa o ideal que Lucas quer comunicar às comunidades: não fechar-se sobre si mesmas, mas sair de si, sair de casa, e estar atentas às necessidades bem concretas das pessoas e procurar ajuda na medida das necessidades.
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Um Deus pródigo em vida – Por Ana Maria Casarotti
Neste 4º domingo do Advento, nos detemos em Maria que, de acordo com o texto do Evangelho, parte sem demora para a região montanhosa de uma cidade da Judeia. Maria responde às palavras do Anjo com alegria e entusiasmo para encontrar sua prima Isabel, que, segundo ela, está grávida. Isabel, prima de Maria, é uma mulher de idade avançada que, junto com seu marido Zacarias, desejava ter um filho e receber essa bênção e dádiva de Deus. Mas até agora isso não havia sido possível. Entretanto, quando Maria recebe o anúncio do anjo de que será a Mãe do Salvador, ela também recebe a boa notícia da gravidez de Isabel. Uma alegria compartilhada, um Deus pródigo em vida a visitou e sua resposta foi imediata.
Todos nós temos a experiência de andar com pressa, tentando cobrir a distância que temos de percorrer no menor tempo possível. Somos movidos por diferentes motivações: porque não gostamos do caminho que temos de percorrer, porque é tarde e a escuridão nos deixa inseguros, para não nos atrasarmos para o trabalho ou para encontrar alguém que está nos esperando, porque nos atrasamos e perdemos uma viagem… Trajetos que fazemos rapidamente, talvez sem pensar muito, simplesmente tentando alcançar a meta o mais rápido possível. O texto nos diz que “Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia”.
Imaginamos essa jovem que acaba de iniciar sua gravidez e que sai rapidamente para visitar sua prima que também está grávida. O que está batendo dentro dela? Quais são os sentimentos que a acompanham em sua jornada? Destacamos uma profunda alegria pela bênção que ela e sua prima receberam, pois foram visitadas por um Deus pródigo em Vida, que não poupa o precioso tesouro que é a vida. Durante sua caminhada, Maria também teria em mente aquele profundo desejo de Isabel de engravidar, talvez conhecido desde menina, sendo que Maria é muito jovem e Isabel já tem idade avançada. Assim, ela recriaria o entusiasmo daquela pequena família e o ambiente em que Isabel viveu quando soube que estava grávida. Ela deve ter recebido palavras de consolo, de bênção, que a encorajaram nesse novo momento de sua vida, diante de uma situação há muito esperada, mas que, devido à sua idade, poderia ter gerado certa insegurança: ela era uma mulher mais velha.
A viagem de Maria para a região montanhosa está repleta de lembranças, de possíveis diálogos que ela teve com sua prima que queria engravidar e não podia, e aquele rastro de dor que pode ter acompanhado Isabel por muito tempo agora está sendo transformado pelo inesperado, pela presença do Deus da vida. Maria quer chegar o mais rápido possível para compartilhar essa alegria. Sua caminhada é quase uma peregrinação em direção a esse novo santuário, onde a terra estéril foi transformada em uma fonte de água pura. Em seu ventre, ela carrega a vida que também vive nela e, apesar das dificuldades de sua gravidez incipiente, não hesita, nem por um segundo, em iniciar sua jornada. Ela tem um objetivo claro que a faz caminhar rapidamente para chegar o mais rápido possível para abraçar e agradecer ao Deus da Vida.
Neste domingo, somos convidados a acompanhar Maria nessa jornada. Deixemo-nos tocar por seus sentimentos, seus anseios, suas palavras cheias de vida que, sem dúvida, ela alimentou dentro de si durante sua jornada. Maria não viaja sozinha, ela carrega em seu ventre a vida que está crescendo e, ao longo do caminho, ouve conselhos, recebe bênçãos e talvez também perguntas, que mais uma vez guarda em seu coração. Nós nos deixamos nutrir por sua alegria, pela felicidade que habita nela e que cresce com o ritmo da vida que foi gerada nela.
Sua prontidão com um objetivo claro questiona nossa “rapidez” de uma cultura sem horizonte, onde o tempo é vivido no futuro e não a partir da alegria do presente. Fazemos nossas as palavras do Papa Francisco, que nos convida a escutar a Virgem Maria, que acolhe o anúncio do Anjo com abertura, total abertura, e por isso mesmo não esconde a perturbação e as interrogações que lhe suscita; mas ela se envolve de boa vontade na relação com Deus que a escolheu, acolhendo o seu projeto. Há um diálogo e há uma obediência. Maria compreende que é destinatária de um dom inestimável e, “de joelhos”, ou seja, com humildade e espanto, escuta.
Ouvir “de joelhos” é a melhor forma de ouvir de verdade, porque significa que não estamos diante do outro na posição de quem pensa que já sabe tudo, de quem já interpretou as coisas antes mesmo de ouvir, de alguém que olha de cima para baixo mas, pelo contrário, nos abrimos ao mistério do outro, prontos a receber humildemente tudo o que ele nos quiser dar. Texto completo: “Só quem ama pode caminhar”. Discurso do Papa Francisco na Cúria Romana por ocasião do Natal.
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ADVENTO: TEMPO DE ENCONTROS E DE VISITAS! – Por Claudete Beise Ulrich
A Palavra de Deus Iluminando a nossa vida
Ler de forma pausada o texto de Lucas 1,39-45. O evangelista Lucas deseja apresentar uma “acurada investigação de tudo desde sua origem (…) uma exposição em ordem” (Lc 1,3). O Evangelho de Lucas, por isso, traz mais detalhes sobre a vida de Jesus, inclusive, antes do seu nascimento, falando de encontros, visitas e dos preparativos para a sua chegada. O texto de Lucas 1,39-45 narra a disposição de Maria, grávida, de ir ao encontro de Isabel que também está grávida. O ambiente onde se desenrola a narrativa é o da casa de Zacarias e Isabel. Maria entra na casa de Zacarias, mas saúda Isabel (Lc1,40). O contexto imediato do texto lembra-nos de que Zacarias e Isabel são um casal de idosos (Lc 1,5-7). Zacarias ainda encontra-se mudo, pois não acreditou no anúncio do anjo (Lc 1,20). “Disse-lhe, porém, o anjo: Zacarias, não temas, porque a tua oração foi ouvida e Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho, a quem darás o nome de João” (Lc 1,13).
O texto de Lucas 1,39-45 narra o encontro de duas mulheres grávidas, duas futuras mamães. Isabel é mais velha, mas também está vivenciando pela primeira vez, a experiência de estar grávida. Ela já se encontra no sexto mês de gravidez (Lc 1,36). Maria é mulher jovem e encontra-se no começo da gravidez. Encontrar-se, abraçar-se, alegrar-se com o encontro, compartilhar as experiências de gravidez é o que leva, provavelmente, Maria a visitar a sua parenta Isabel. A experiência de estar grávida também traz perguntas, dúvidas. Nada melhor do que conversar com alguém que está vivenciando a mesma experiência.
O contexto do texto também nos conta que Maria recebeu a visita do anjo (Lc 1,26-38). Maria dialoga com o anjo sem intermediários. Percebe-se, no contexto, a presença de duas regiões e duas tradições: Zacarias é sacerdote de Jerusalém, morador das montanhas de Judá. Isabel encontra-se em idade avançada (idosa), estéril. Maria é mulher, jovem, virgem, natural da região fértil da Galiléia. O anjo anuncia que assim como Isabel concebeu um filho na velhice, assim também Maria engravidará, “porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas” (Lc 1,36). O contexto todo fala de visitas: visita de Deus através do anjo. Deus vem ao encontro do seu povo, como na história do Êxodo.
O texto apresenta duas mulheres, duas histórias de vida, duas regiões e duas tradições que representam os grupos explorados, oprimidos e discriminados por sua classe social, por seu gênero, por sua diferença geracional. Maria e Isabel, com suas histórias diferentes, no entanto, são as escolhidas para a visita de Deus. Essa visita necessita ser compartilhada. Maria se coloca a caminho e vai visitar a sua amiga Isabel, que é mais velha. A idade não importa. É no compartilhar das experiências entre diferentes gerações de mulheres que se aprende e se constrói um novo mundo baseado na cooperação e no respeito à diversidade, rompendo-se com a sociedade patriarcal que promove a competição entre as mulheres.
Isabel recebe a visita de Maria com alegria e com exclamações.
Assim que Maria saúda Isabel, acontece algo que só uma mulher grávida pode sentir: “A criança lhe estremece no ventre” (v. 41). A criança vinda no ventre também fica feliz com o encontro. Isabel, então, possuída pelo Espírito Santo, exclama em alta voz, interpretando aquele momento de visita e encontro “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre” (v. 42). É interessante perceber que é Isabel, a mais velha, aquela que não podia ter filhos (estéril) que fica possuída do Espírito Santo e bendiz a sua amiga Maria.
O encontro entre Maria e Isabel nos fala da importância das relações de ajuda entre mulheres. Maria, saindo de sua casa e indo ao encontro de Isabel, coloca-se como aprendiz. É na visita, no encontro, na troca de experiências, no processo que vão se gestando possibilidades de um novo mundo, rompendo-se com aquilo que separa, com o mundo patriarcal que prende e aprisiona. Duas barrigas grávidas de vida que se estremecem quando se cumprimentam. A vida pulsa para além da vida das mamães grávidas.
Elas anunciam a alegria do novo. Como é bom se encontrar! Como é bom se visitar! Como é bom se abraçar! Como é bom demonstrar a alegria dos sentimentos! Como é bom preparar a chegada das crianças – da novidade de vida na certeza de que “um outro mundo é possível”.
O texto termina com mais uma fala de Isabel: “Bem-aventurada a que creu, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor”. Jesus retoma essa fala no capítulo 11,27-28 do Evangelho de Lucas, quando uma mulher se levanta no meio da multidão e exclama: “Bem-aventurada aquela que te concebeu, e os seios que te amamentaram”. E Jesus lhe responde: “Antes, bem-aventurados são os que ouvem a palavra de Deus e a guardam!”.
Maria saiu de sua casa e colocou-se a caminho, indo visitar Isabel. A criança no ventre de Isabel estremece de alegria quando ouve a saudação de Maria. Isabel tem uma atitude profética. Ela interpreta o momento que as duas vivenciam. Não há ninguém entre elas. Nenhum intermediário. A alegria do encontro se dá no estar face a face. É no espaço da casa que a palavra é dita ao mundo. Elas se assumem como protagonistas da história. A visita de Maria a Isabel é nomeada como uma experiência de profundo significado para as duas mulheres. Elas se ouvem, se alegram, se saúdam, se abraçam, compartilham experiências e exclamam (falam) sem nenhum intermediário. A amizade sincera entre Maria e Isabel possibilita o ouvir e o falar. A interpretação dessa relação dita por Isabel a Maria (bem-aventurada a que creu) faz com que Maria cante o Magnificat (Lc 1,46-56): a possibilidade de uma nova história.
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VOCÊ É BENDITA ENTRE AS MULHERES – PorTomaz Hughes (em memória)
Para entender bem a finalidade de Lucas em relatar os eventos ligados à concepção e nascimento de Jesus, é essencial conhecer algo da sua visão teológica. Para ele, o importante é acentuar o grande contraste, mesmo que haja também continuidade, entre a Antiga e a Nova Aliança.
A primeira está retratada nos eventos que giram ao redor do nascimento de João Batista, e tem os seus representantes em Isabel, Zacarias e João. A segunda está nos relatos ao redor do nascimento de Jesus, com as figuras de Maria, José e Jesus. Para Lucas, a Antiga Aliança está esgotada, deu o que era para dar. Os seus símbolos são Isabel, estéril e idosa; Zacarias, sacerdote que duvida do anúncio do anjo; e o nenê que será um profeta, figura típica do Antigo Testamento. Em contraste, a Nova Aliança tem como símbolos a jovem virgem de Nazaré que acredita, e cujo filho será o próprio Filho de Deus. Mais adiante, Lucas enfatiza este contraste nas figuras de Ana e Simeão, no Templo (Lc 2,25-38), especialmente quando Simeão reza: “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar o teu servo partir em paz. Porque meus olhos viram a tua salvação” (2,29).
Por isso, não devemos reduzir a história de hoje a um relato que pretende mostrar a caridade de Maria em cuidar da sua parenta idosa e grávida. Se a finalidade de Lucas fosse essa, não teria colocado o versículo 56, que mostra ela deixando Isabel antes do nascimento de João: “Maria ficou três meses com Isabel e depois voltou para casa”. É só depois que Lucas trata do nascimento de João.
Também não é verossímil que uma moça judia de mais ou menos quatorze anos enfrentasse uma viagem tão perigosa como a da Galileia à Judeia! A intenção de Lucas é teológica. Ele coloca juntas as duas gestantes, para que ambas possam louvar a Deus pela sua ação nas suas vidas e para que fique claro que o filho de Isabel é o precursor do filho de Maria. Por isso, Lucas tira Maria de cena antes do nascimento de João, para que cada relato tenha somente as suas personagens principais: de um lado, Isabel, Zacarias e João; do outro lado, Maria, José e Jesus.
O fato de que a criança “se agitou” no ventre de Isabel faz recordar algo semelhante na história de Rebeca, quando Esaú e Jacó “pulavam” no ventre dela, de acordo com a Septuaginta, a tradução grega da Bíblia hebraica (cf. Gênesis 25,22). O contexto, especialmente versículo 43, salienta que João reconhece que Jesus é o seu Senhor. Com a iluminação do Espírito Santo, Isabel pode interpretar a “agitação” de João: é porque Maria está carregando o Senhor em seu útero.
As palavras referentes a Maria: “Você é bendita entre as mulheres, e bendito é o fruto do seu ventre” (v. 42) fazem lembrar mais duas mulheres que ajudaram na libertação do seu povo: Jael (Juízes 5,24) e Judite (Judite 13,18). Aqui, Isabel louva a Maria que traz no seu ventre o libertador definitivo do seu povo.
Finalmente, vale destacar o motivo pelo qual Isabel chama Maria de “bem-aventurada” (v. 45): “Bem-aventurada aquela que acreditou”. Maria é bendita em primeiro lugar, não pela sua maternidade, mas pela fé, em contraste com Zacarias, que duvidou. Aqui, Maria é principalmente modelo de fé.
Na boca de Isabel, encontramos as seguintes expressões: “Ave Maria” (1,28), “Cheia de graça” (1,28), “O Senhor é contigo” (1,28), “Bendita és ti entre as mulheres” (1,42); “Bendito o fruto do teu ventre” (1,42). Junto com Isabel, saibamos honrar Maria, a mãe do Senhor, modelo de fé para todos nós! Mas, a fé de Maria, como, aliás, sempre é na Bíblia, não foi uma adesão somente intelectual a Deus. Era o assumir do projeto de Deus, justiça, libertação, solidariedade e salvação integral. Por isso, Lucas põe na boca de Maria o grande Cântico do Magnificat, atualizando o Canto de Ana, (1 Samuel 2,1-10), cantando a grandeza do nosso Deus, que se põe ao lado dos humilhados e sofridos, e derruba os poderosos e prepotentes.
O texto de hoje lembra-nos que Maria era uma mulher lutadora, totalmente comprometida com o projeto de Deus para um mundo fraterno. Se Ela estivesse entre nós hoje, sem dúvida, como também Jesus, estaria nos movimentos e pastorais sociais, lutando pela vida digna de todos e celebrando com os irmãos e irmãs a fé no Deus de Justiça, Libertação e Salvação.
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MIQUÉIAS 5,1-4: VIDA PARA todos – Por Thomas McGrath
SITUANDO
O profeta Miqueias – 700 anos antes de jesus – originário de um meio rural conhece bem os problemas dos pequenos agricultores, vítimas de latifundiários sem escrúpulos. Por outro lado, a sua terra natal (Moreset Gat) está rodeada de fortalezas militares, com seus funcionários que fazem com que os habitantes dessa região conheçam um quadro de violência, roubo, impostos excessivos, e trabalhos forçados.
Mais grave ainda é que os opressores consideram que Deus está do seu lado e invocam as grandes tradições religiosas de Israel para justificar a opressão.
O livro descreve (cap. 1-3) as infidelidades do Povo de Deus e seus pecados sociais, dizendo que tudo é resultado da infidelidade aos compromissos assumidos com Javé na “aliança”.
O nosso trecho de hoje faz parte de um conjunto de oráculos de salvação, que procuram a animar a esperança do Povo (cap. 4-5).
COMENTANDO
O texto retoma a promessa messiânica. Diante da situação de injustiça e sofrimento, frustração e desânimo, o profeta anuncia a chegada de um alguém, no futuro, que reinará sobre o Povo de Deus. Esse alguém, enviado por Deus, será da descendência de Davi, e vai restaurar o tempo de paz, de justiça e de abundância que o Povo de Deus havia conhecido na época do rei David. A última frase desta leitura (“Ele será a Paz”) define o conteúdo concreto desta esperança: a palavra paz ou “shalom” significa tranquilidade, ausência de violência, e nada de conflito, mas incluindo bem-estar, abundância de vida, numa palavra, felicidade plena.
ATUALIZANDO
Essa promessa de Deus pronunciado por Miqueias é visto como uma referência a pessoa de Jesus, o descendente de David, nascido em Belém. Jesus não vai restaurar o trono político de David. Este tipo de reino sempre implica força, violência, jogadas políticas e diplomáticas. A proposta de Jesus é um reino de paz, partilha e cooperação.
Os seguidores de Jesus aceitam o convite de viver desse jeito, partilhando de acordo com a necessidade de cada grupo, família e pessoa, e não acumular. Os seguidores se comprometem com a causa da paz, eliminando tudo que destrói a vida ou a dignidade de qualquer homem ou qualquer mulher. Seguindo o espirito profético dos antepassados – principalmente Jesus -, as comunidades proféticas denunciam injustiças, arbitrariedades, sofrimento, miséria, e anunciam o “reino” de Jesus.
A nossa fé garante a presença libertadora de Deus na história humana, Apesar do egoísmo e do pecado dos homens, Deus se preocupa conosco.