Lc 2,16-21 – 1º DE JANEIRO/2025: OITAVA DO NATAL – A PALAVRA DIVINA SE FAZ CARNE EM NOSSAS COLETIVIDADES – Por Marcelo Barros

Lc 2,16-21 – 1º DE JANEIRO/2025: OITAVA DO NATAL – A PALAVRA DIVINA SE FAZ CARNE EM NOSSAS COLETIVIDADESPor Marcelo Barros

Marcelo Barros, monge, biblista e teólogo da Teologia da Libertação

Neste primeiro dia do ano, as Igrejas antigas celebram o oitavo dia da festa do Natal. Lembram a circuncisão de Jesus, rito que, conforme o evangelho, teria ocorrido oito dias depois do nascimento e, através do qual o menino recebia o seu nome. Por isso, antigamente, hoje era também a festa do nome de Jesus.

A partir de uma tradição antiga, a Igreja Católica dedica esse dia a Maria, mãe de Jesus. Os papas mais recentes consagram o 1º de janeiro como “dia mundial da paz”, assim como a ONU fala em “dia da irmandade universal”.

O evangelho lido é Lucas 2, 16- 21. Começa pelas palavras “Quando os anjos se afastaram, os pastores disseram uns aos outros: Vamos a Belém para ver o que aconteceu”. Parece mesmo final de festa. O extraordinário parece ter passado e agora se trata de ver a realidade. Os pastores ouviram uma palavra maravilhosa de promessa de salvação. Foram a Belém, mas o que encontraram ali foi uma realidade muito simples, pobre e, de certo modo, decepcionante. O desafio foi ver aquela família de migrantes sem-teto e, naquele quadro, contemplarem o começo da realização de um projeto maravilhoso de Deus.

Em nossas vidas, muitas vezes, é preciso que também os anjos se afastem. Às vezes, ao ver e ouvir pessoas religiosas, temos a impressão de que ainda se imaginam na presença de anjos. Não se dão conta de que os anjos foram-se embora. A missão nos envia à inserção no meio do povo, sem anjos nem sinais do céu. Só deve permanecer mesmo a abertura para ver a presença e atuação do amor divino no meio da vida como ela é…

Esse evangelho é praticamente o mesmo lido na missa da aurora do dia 25, tendo apenas acrescentado o verso 21: “Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus, como fora chamado pelo anjo, antes de ser concebido”.

Apesar de ser sinal de uma sociedade patriarcal que a humanidade precisa superar, a circuncisão nos lembra que a sexualidade deve ser vivida a partir do projeto de vida que a família e o povo têm. Todos e todas são e podem ser consagrados/as ao Amor Divino: meninos e meninas de ambos os sexos, dos mais diferentes gêneros e orientações sexuais.

A circuncisão de Jesus, em seu oitavo dia de vida, confirma que Deus assume a cultura humana de um povo, mesmo em seus aspectos culturais criticáveis, como são o patriarcalismo e o machismo que, em vários momentos da vida, o próprio Jesus criticou.  

Ao dizer que aos oito dias de nascido, Jesus foi circuncidado, o Evangelho mostra que ele se inseriu plenamente na cultura do seu povo. Ao assumir sua raça e sua pertença ao povo judeu, ele assume seus valores e também suas limitações e lacunas. É nesse processo de inserção cultural e histórica que ele recebe o nome de Jesus. Ieoshuá significa “Deus é Salvação”. Hoje podemos traduzir o nome de Jesus como “Deus Amor é Libertação e Bem-viver”. E a própria vida de Jesus tornou sempre verdadeiro o nome que lhe foi dado como missão. Se cremos em Jesus, não podemos aceitar que Deus possa ser fonte de ódio, intolerância e exclusivismo. O irmão Roger Schutz dizia: Deus só pode amar. De acordo com o evangelho, essa foi a missão de Jesus. Testemunhar isso seja a nossa missão neste ano novo.  

Hoje, ao contemplarmos em Maria, a mãe de Jesus, vemos nela a imagem de toda comunidade de fé que gera Cristo em nós. O evangelho diz que “Maria guardava essas coisas e as revolvia em seu íntimo”. Depois de ter dado Jesus à luz, ela precisa ainda engravidar da palavra de Deus em seu coração e fazer com que ela se torne vida em sua vida.  Se não fosse Maria, não teríamos Jesus que nasceu de Maria. Se não fosse a comunidade de fé (a nossa comunidade), o mesmo Jesus não seria gerado em nós, em nossas vidas e nossa missão. Assim como este evangelho diz a respeito a Maria, também nós, como Maria, “guardemos todas essas coisas, meditando-as no coração”(v. 19). 

“Pelo esforço que nos guia

nessa estrada da iluminação,

que todos os seres vivos

sejam impregnados de paz.

Que as pessoas sofredoras

sejam libertadas da dor,

as mulheres grávidas

deem a luz sem sofrer

e quem está com frio seja aquecido.

Que os animais sejam livres do medo

e da crueldade humana

e toda a natureza, em paz,

 seja a tua voz e tua força de paz”

 (Oração budista do século VIII)[1].


[1] – Cf. OFICIO DIVINO DAS COMUNIDADES, Paulus, 14ª ed., 2007, p. 652.

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