Lc 2,41-52 – Ano C – FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA OU DO JESUS JOVEM REBELDE? Vários textos e vídeo

Lc 2,41-52 – Ano C – FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA OU DO JESUS JOVEM REBELDE? Vários textos e vídeo

1 – Lc 2,41-52: Evangelho da “SAGRADA FAMÍLIA” OU DE JESUS JOVEM REBELDE? Evangelho pra além dos templos (Vídeo)

2 – SAGRADA FAMÍLIA DE JESUS, MARIA E JOSÉ e Festa da Sagrada Família – PorTomas McGrath

O Evangelho da Festa da Sagrada Família, é tirado dos primeiros capítulos de Lucas.  Mais uma vez, encontramos um tema muito importante para esse Evangelho – o encontro entre a Antiga e a Nova Aliança.  Durante Advento, Lucas fazia paralelo entre Isabel, Zacarias e João Batista, e Maria, José e Jesus.  No texto de hoje, os justos da Antiga Aliança são representados pelas figuras de Simeão e Ana, profeta e profetisa.  Outros dois temas de Lucas também se destacam nesse relato – o Espírito Santo e a opção pelos pobres.

Lucas destaca que os pais de Jesus foram ao Templo conforme a Lei (cf. Lv 12,8), para oferecer o sacrifício de dois pombinhos pela purificação. Na Lei, esse sacrifício era permitido aos pobres.  Mais uma vez, continuando a lição da manjedoura e dos pastores, Lucas sublinha o amor especial de Deus pelos pobres. Deixa bem claro que Maria, José e Jesus eram contados entre eles como, aliás, era toda a população do Nazaré de então.

Simeão e Ana representam, quase nos mesmos termos de Zacarias e Isabel, os justos que esperavam a salvação de Deus – o grupo conhecido no Antigo Testamento como os anawim, ou “pobres de Javé”.  É de notar que, no seu canto, Simeão proclama que ele pode “ir em paz”, simbolizando que as esperanças dos justos da Antiga Aliança agora estavam se realizando em Jesus. Tal como, na visitação, a idosa Isabel, símbolo também dos justos, acolhia com alegria a chegada de Maria com Jesus, agora Simeão e Ana recebem com a mesma alegria a novidade da Nova Aliança, concretizada em Jesus. Mais uma vez, Lucas coloca juntos homem e mulher, um tema comum nos seus escritos (cf. Lc 4,25-28; 4,31-39; 7,1-17; 7,36-50; 23,55–24,35; At 16,13-34). Assim, Lucas insiste que mulher e homem se colocam juntos diante de Deus. São iguais em dignidade e graça, recebem os mesmos dons e têm as mesmas responsabilidades.

Como já fez em Lc 2,19 e fará de novo em Lc 2,50, novamente o evangelista frisa que os seus pais ainda não entenderam plenamente o alcance do mistério de Jesus. O v. 33 insiste que “o pai e a mãe do menino estavam admirados do que se dizia dele”. Mais uma vez, apresenta-nos José e, especialmente, Maria como modelos de fé. Apesar de qualquer revelação que tivessem, José e Maria também caminharam na escuridão da fé, descobrindo, passo a passo, o que significava ser discípulo de Jesus.

Jesus “crescia e se fortalecia, cheio de sabedoria, e o favor de Deus estava com ele”.  Como acontece com todos nós, esse crescimento foi gradual, e a sua família tinha um papel importantíssimo no seu crescimento. Se, como adulto, ele podia revelar-nos a imagem de Deus como o amoroso Pai – tema tão caro a Lucas – era porque também aprendeu isso através da experiência com José. Se cresceu na espiritualidade dos anawim, era porque aprendeu isso desde o berço, junto com os seus pais. Se foi fiel na busca da vontade de Deus, era porque assim aprendeu no ambiente familiar.

Nossa sociedade desvaloriza a vida familiar, especialmente por seu consumismo desenfreado e seu materialismo. Diante disso o texto de hoje anima-nos e desafia-nos, tal como Maria e José, na claridade ou na escuridão da caminhada, a que criemos um ambiente onde o amor possa florescer e onde a nossa juventude possa aprender a importância do amor nutrido em uma fé viva.

Ninguém ignora que hoje a família tradicional enfrenta enormes dificuldades.  Diante dos problemas, respostas fáceis não servem. Nem sempre é óbvio o caminho a seguir.  Novas dificuldades e novas perguntas exigem um novo olhar da parte das Igrejas. Nesse sentido, há pouco, presenciamos algo inédito na Igreja Católica em Roma: a realização de um sínodo sobre a família onde todos os participantes foram convidados pelo Papa a expressarem as suas opiniões abertamente e sem medo. Houve divergências, obviamente, pois nem tudo está claro. Há quem prefere ignorar a realidade, fechar os olhos diante de problemas reais que causam, muitas vezes, sofrimento no seio das famílias, e refugiar-se em chavões legalistas em lugar de procurar descobrir o que Jesus faria em tais situações. O Espírito Santo ilumina as Igrejas e as famílias que realmente buscam juntas as maneiras evangélicas de como responder aos novos desafios.

Rezemos pelas famílias, pelas que estão bem firmes e pelas desestruturadas. Rezemos também pelas lideranças de nossas Igrejas, para que tenham força e saúde, a fim de testemunharem, nos nossos tempos, a missão de Jesus compassivo e misericordioso.

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3 – FAMÍLIA DE NAZARÉ: O AMBIENTE DE HUMANIZAÇÃO DE JESUS. PorAdroaldo Palaoro

“E Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens” (Lc 2,52),

Toda família é raiz, escola, mestra, origem, destino, referência, refúgio, desafio, criatividade… A família tem a missão de proteger e ativar a semente de grandeza que pulsa no interior de todo ser humano: o amor, os valores, o conhecimento, a liberdade, os sonhos… Quando a semente humana não recebe os nutrientes emocionais, intelectuais e espirituais que necessita, a vida se torna estéril, o sentido se esvazia e a felicidade perde o vigor.

Cada família é um mundo” e dentro desse pequeno “mundo” a vida se expande em diferentes direções, fazendo emergir os traços originais de cada um, os gestos, os pensamentos, as atitudes, a personalidade, a cultura… Mas, é ali, entre os mais próximos e íntimos, que cada pessoa se faz mais humana; é ali onde cada um é reconhecido em sua identidade. Por isso, ser-estar-pertencer a uma família são dimensões que não podem estar separadas.

Jesus fez a experiência de pertencer a uma família concreta; Ele teve uma família e, apaixonado e profundo como era, viveu intensamente neste ambiente instigante e humanizador. Tal ambiente vai determinar sua futura missão.

Sua permanência em Nazaré foi um longo aprendizado. Jesus foi um aprendiz da vida e foi no espaço familiar que Ele encontrou o terreno propício para ativar os seus recursos internos, sua imaginação fértil, sua criatividade encantadora, suas relações oblativas. Foi no pequeno mundo em Nazaré que Jesus aprendeu a ter um coração universal.

Quando falamos da infância de Jesus, muitas vezes nos limitamos a afirmar que temos pouquíssimo relatos sobre ela nos evangelhos. Mas, sob outra perspectiva, podemos afirmar que temos muitíssimos elementos, revelados pelo próprio Jesus; de fato, quem modelou a natureza humana de Jesus, foi a família de Nazaré.

Lendo o Evangelho como um todo podemos encontrar, com facilidade, uma descrição muito aproximada de quem era Jesus no seu espaço familiar. Quem, senão José, poderia ensinar a Jesus tudo o que conhecia sobre o trabalho, o campo, as colheitas, o tempo, as aves e o mundo que os rodeava? Quem, senão Maria, poderia ensinar Jesus a tratar as pessoas, a servir o seu próximo, a olhar, a falar, a sorrir…? Ela, certamente, lhe ensinou muitas coisas da vida doméstica, conforme percebemos os exemplos que o Mestre usou em seus ensinamentos: a imagem do candil, do fermento na massa, do remendo novo em roupa velha…

Em cada gesto de Jesus, revelou-se um ensinamento do Pai e de seus pais; em cada parábola havia uma expressão da natureza e da terra com o selo de José, e uma mensagem espiritual inspirada a partir do alto. Em cada cura que Jesus realizou havia um modo e uma sensibilidade de tratar o enfermo, o desvalido, herdados da sensibilidade feminina de Maria; e, à hora de orar havia um hábito alimentado na casa de seus pais, fiéis cumpridores da lei mosaica e abertos à novidade e ao mistério que seu filho Jesus deixou transparecer. Enfim, Jesus recebeu de sua família um modo de ser e de viver, de acordo com a sociedade de seu tempo.

“E Jesus crescia em sabedoria…” Sabedoria é conhecimento global, por meio do coração e de todos os sentidos, que permite “saborear” tudo em profundidade; é experiência constante, não ocasional, que abrange a vida inteira, de uma nova identidade, escondida no interior, mais rica e mais verdadeira, mais estável e positiva; é contemplação e memória das coisas que permanecem, gosto pela beleza e olhar poéticoconversão e formação contínuas, harmonia de significados e de vivências existenciais, humorismo e otimismo, sentido do mistério e do eterno, sabor do divino e simpatia pelo humano…

Sabedoria, sobretudo, é unidade de vida e síntese; significa ter chegado ao coração da vida, onde está o tesouro de cada ser humano e onde se concentra o que é mais nobre e original de cada um.

Em Nazaré, Jesus não fez coisas extraordinárias; era um lugar onde todos se conheciam e foi ali, nos costumes e na vida diária deste lugar, onde Ele descobriu a presença do Pai: ali o menino crescia em idade, em sabedoria e em experiência de Deus. Nazaré é o tempo do crescimento e da maturação humana.

Jesus pregou o que viveu no espaço familiar. Se pregou o amor, a entrega, o serviço, a solicitude pelo outro, quer dizer que primeiramente Ele viveu isso. O espaço familiar foi o seu primeiro campo de aprendizagem como todo ser humano. Com a presença inspiradora e ajuda de seus pais, Jesus foi alargando seus horizontes e discernindo seu caminho e sua missão. Seu lar em Nazaré foi rampa de lançamento para sua vida pública.

Como aprendiz da vida, foi ali, na casa e na oficina de Nazaré que Jesus se exercitou na Redenção. Não lhe foi difícil passar de “artesão de coisas” a “artesão da humanidade”, passar da “oficina de Nazaré” à “oficina do Evangelho”.

Custa-nos muito descobrir a “espiritualidade da vida cotidiana, a vida de cada dia nos parece sem sentido, sem muito destaque e sem muitos fatos extraordinários; temos ainda muito que aprender da vida cotidiana do artesão de Nazaré.

Na família de Nazaré nos inspiramos para viver também uma presença inspiradora em nossa existência cotidiana. Nazaré se revela também como espaço e tempo do “coração”. Por isso, Maria “conservava no coração todas estas coisas”. “Maria guardava tudo isto e meditava-o em seu coração” (Lc. 2,19).

Trata-se de um contemplar e meditar vivencial, realizado no centro afetivo-emocional de sua personalidade, simbolizado no termo “coração”. Na língua portuguesa a palavra “coração” designa a sede da afetividade, dos sentimentos… Ao passo que na cultura oriental e bíblica, o “coração” é o lugar da interioridade, ou seja, designa uma faculdade espiritual pela qual o ser humano pode entrar em contato com Deus.

“coração” representa o núcleo mais íntimo e mais secreto do nosso ser; ali é o lugar das “manifestações vitais”; trata-se de um “lugar” e um princípio de direção que não cessa de nos impulsionar, a partir do nosso interior, para nossa realização pessoal e transpessoal. Podemos considerá-lo também a raiz e o ápice da nossa existência onde se elaboram as concepções mais finas do nosso espírito.

Meditar um assunto em nosso coração significa “auscultar” as “moções interiores”, significa ouvir o que o coração nos tem a dizer. Quando auscultamos nosso coração nos deparamos com algo decisivo que fará toda diferença para nossa existência. Pois, por “coração” entendemos o núcleo central da nossa personalidade humana, o ponto exato onde se encontram e se reúnem a inteligência e todas as potencialidades dinâmicas e vitais, as energias inconscientes e simbólicas do nosso ser profundo.

Para meditar na oração:

Contemplar seu espaço familiar: é ambiente instigante, provocativo, inspirador… Onde todos se sentem livres para expressar sua identidade e originalidade? Ali educa-se para viver uma consciência moral responsável, sadia, coerente com a fé cristã? Ou favorece um estilo de vida superficial, consumista, sem metas nem ideais, sem critérios e valores evangélicos?

– Em que dimensões você sente que sua família pode e deve crescer mais, tendo como referência a Família de Nazaré?

4 – UMA FAMÍLIA DIFERENTE – Por Ana Maria Casarotti

No domingo seguinte ao Natal, a Igreja nos convida a celebrar a Festa da Sagrada Família. Por quê?

Esta festa é a prolongação da festa do Natal, celebrada na semana passada. Quando o Filho de Deus se fez homem, nasceu como filho de Maria, se fez irmão de toda a humanidade.

Ao contemplar hoje a Sagrada Família, podemos “incluir” nela todos os homens, todas as mulheres de todos os tempos, raças e línguas. Como disse Enzo Bianchi: “Jesus nascera de uma família comum: um pai artesão e uma mãe dona de casa como todas as mulheres da época. A sua família tinha irmãos e irmãs, isto é, parentes, primos, uma família numerosa e ligada por fortes laços de sangue, como ocorria no Oriente”.

É a festa da família humana que pela encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus é adotada como família de Deus.

Ao olhar hoje o menino Jesus, rodeado por Maria e José, somos convidados a sentir-nos filhos e filhas do Pai e da Mãe celestes e irmãos e irmãs uns dos outros.

A família de Nazaré nos desafia a viver o mandamento do amor, que leva a exercitar valores essenciais que foram esquecidos ou abafados na lógica do mercado que vigora em nosso tempo, como os valores da hospitalidade, da acolhida, da solidariedade, da cortesia e do respeito à alteridade.

Olhando agora para a nossa família, a nossa comunidade, perguntamo-nos em que precisamos crescer para nos assemelharmos à família de Nazaré.

O evangelho de hoje nos revela, em primeiro lugar, a simplicidade e a historicidade da família de Nazaré, que vivia sua religiosidade como toda a família judia daquele tempo.

Como disse Enzo Bianchi, “Sim, Jesus era um homem como os outros, apresentava-se sem traços extraordinários, parecia frágil como todo ser humano. Tão cotidiano, tão modesto, sem qualquer coisa que, na sua forma humana, proclamasse a sua glória e a sua singularidade, sem um “cerimonial” composto de pessoas que o acompanhassem e o tornassem solene e munido de poder ao aparecer no meio dos outros. Não, demasiadamente humano! Mas se não há nada de “extraordinário” nele, por que acolher a sua mensagem? (Texto completo: Jesus, demasiadamente humano) 

No evangelho lemos que: “Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa”.

Essa Páscoa é especial porque Jesus tem doze anos. Então seguindo a lei de Moisés é a idade para realizar a cerimônia bar mitzvah. Por meio desse rito, o menino entra no mundo adulto. Alcançou sua maturidade religiosa e civil.

O evangelista situa Jesus no início da sua maturidade no templo, falando com os doutores da lei, e “todos que ouviam o menino estavam maravilhados com a inteligência de suas respostas”.

No final da vida de Jesus encontramos uma cena semelhante: “Ao amanhecer, os anciãos do povo, os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei se reuniram em conselho e levaram Jesus para o Sinédrio” (Lc 22,66).

Mas a admiração inicial já não existe na maioria dos ouvintes, ao contrário, as palavras que pronuncia Jesus, em consonância com sua vida, são as que o condenam à morte.

Enquanto isso, Maria e José buscam angustiados seu Filho, até que, depois de três dias de incessante busca, o acham no templo.

A resposta serena que dá Jesus à pergunta de sua mãe: “Por que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?”, nos transporta ao dia da sua Ressurreição, “por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que está vivo?”(Lc 24, 5b).

Pelo qual as primeiras palavras que Lucas coloca na boca de Jesus já revelam o sentido e o fim de sua vida e missão, estar no Pai, viver para Ele e suas coisas.

A maturidade dos 12 anos deste menino judeu continuará crescendo ao longo de sua vida, atingindo seu auge em outra Páscoa, a de sua morte e ressurreição!

Dessa maneira, Jesus revela a toda a família humana o caminho para viver e crescer na casa do Pai e Mãe comum, até chegar aos seus firmes e ternos braços.

Na entrevista Jesus: um apaixonado por Deus e pelas pessoas, concedida à revista IHU On-Line nº 336, o teólogo biblista Francisco Orofino disse que “temos que entender que a formação de Jesus começa em casa, e sob forte influência materna. Jesus viveu muito tempo neste ambiente familiar e comunitário”.

Vivendo deste jeito estaremos contribuindo com a recriação permanente da família humana e divina!

Oração pela família

“Ó Deus Trindade, comunhão perfeita no amor. Nossas famílias vos louvam e agradecem, 
por serem chamadas a realizar as maravilhas do vosso amor, no aconchego de seus lares.

Que nelas aconteça a desejada paz e a constante reconciliação, mesmo em meio a tantos limites humanos.

Vos pedimos, Trindade Santíssima, que a família seja reconhecida como patrimônio da humanidade, 
um dos tesouros mais preciosos dos nossos povos, lugar e escola de comunhão, 
fonte de valores humanos e cívicos, lar onde a vida humana nasce e se acolhe, generosa e responsavelmente.

Torne-se escola de fé, fazendo dos pais os primeiros catequistas de seus filhos, 
começando em casa o processo da iniciação à vida cristã.

Possa a família ser considerada santuário da vida e Igreja doméstica.

Livrai a família do egoísmo, que fere de morte o amor e o compromisso com a vida, 
destruindo o lar e causando consequências indeléveis para os filhos.

Ó Deus Trindade, por intercessão da Família de Nazaré, santuário da vida divina, 
abençoai cada lar para que possa tornar-se, à vossa imagem, novo sacrário de amor. Amém”.

Dom Aloísio A. Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul

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5 – FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA – Por Tomaz Hughes

Na Igreja Católica, hoje é celebrada a festa da Sagrada Família. Portanto, o trecho de Lucas põe em relevo os três membros da família de Nazaré, embora o seu tema principal seja um ensinamento sobre quem é Jesus, a sua relação com o Pai e com a sua família humana.

A história começa enfatizando a identidade da família humana de Jesus como judeus piedosos. Os regulamentos sobre as peregrinações ao Templo de Jerusalém, para a festa de Páscoa, se encontram em Êxodo 23,17; 34,23 e em Levítico 23,4-14. Como consequência, entendemos que o ambiente em que Jesus cresceu, e em que descobriu a sua vocação e missão, é aquele dos “pobres de Javé”, os devotos que esperavam a libertação de Israel, através da vinda do Messias davídico prometido. Esta viagem prefigura a grande viagem de Jesus a Jerusalém em Lucas 9,51 a 19,27, que ele fará com os seus discípulos, e onde ele revelará, por palavras e ações, o seu relacionamento com o Pai, prefigurado no versículo 49 de nosso texto.

A narrativa salienta certas atitudes de Jesus. É bom prestar bem atenção aos verbos. Lucas diz que Jesus estava no templo entre os doutores, “escutando e fazendo perguntas” (v. 46). A atitude de Jesus é a de um discípulo muito inteligente e não de um mestre. Ele não está “ensinando no Templo”, como muitas vezes dizemos em nossas tradições. Aqui, Lucas antecipa para os doze anos de Jesus o que realmente ocorrerá mais tarde, quando Jesus realmente ensina no Templo e sofre a rejeição e a perseguição por parte de doutores da Lei e Sumos Sacerdotes (Lucas 19,47-48; 21,37-38; 22,53).

Encontramos o ponto central do texto no versículo 49: “Porque me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?”.

Aqui, Lucas relata as primeiras palavras de Jesus no seu Evangelho. Agora, não é Gabriel, nem Zacarias, nem Maria quem diz quem é Jesus, mas ele mesmo. A palavra que nós traduzimos como “devo”, em grego dei, transmite o tema de “necessidade”, que aparece no Evangelho 18 vezes e nos Atos dos Apóstolos 22 vezes. Essa palavra “expressa um senso de compulsão divina, frequentemente visto como obediência a uma ordem da escritura ou profecia, ou na conformidade de eventos com a vontade de Deus. Aqui, a necessidade consiste no relacionamento inerente de Jesus em relação a Deus, que exige obediência.” (Marshall, “The Gospel of Luke”).

No versículo 50, fica claro que os seus pais não entenderam que o seu relacionamento com o Pai celeste tomava precedência sobre a sua relação com eles: “Eles não compreenderam o que o menino acabava de lhes dizer”.

A “espada” sinaliza a dor de sentir este distanciamento sem poder compreendê-lo e que já começa a aparecer. Também o velho Simeão a ela se refere em Lucas 2,35. Maria não compreende plenamente, retomando o tema de v. 19, e continua a sua caminhada de fé, meditando sobre o sentido da missão e da identidade de seu filho. Essa experiência de Maria é encorajadora para nós. Quantas vezes acontecem coisas nas nossas vidas que não compreendemos e nelas não conseguimos ver a vontade de Deus? A exemplo de Maria e José, com atitude orante e contemplativa, aceitemos esta escuridão, continuemos a caminhada. Nunca, porém, deixemos de “conservar no nosso coração todas essas coisas”.

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6 – Lc 2,41-52 – Por Irmã Zuleica Aparecida Silvano, religiosa paulina,

O autor, no v. 41, apresenta uma informação geográfica importante, por se tratar do Evangelho segundo Lucas: o deslocamento da família de Jesus de Nazaré (ou da Galileia) para Jerusalém. Esse movimento perpassará todo esse evangelho e será a direção tomada por Jesus durante seu ministério público, até sua morte em Jerusalém.

A peregrinação anual a Jerusalém fazia parte dos costumes judaicos. A Lei prescrevia que cada judeu deveria peregrinar três vezes ao ano a Jerusalém para celebrar as grandes festas: da Páscoa, das Cabanas e das Semanas (Pentecostes). No entanto, aqueles que morassem longe (a distância de um dia) eram dispensados dessa lei. A família de Jesus peregrina a Jerusalém para ter a oportunidade de estar no Templo e cumprir algumas prescrições religiosas, pelo menos uma vez por ano, ainda que morasse distante, como nos informa o relato.

No judaísmo, o jovem, a partir dos 13 anos, adquiria a maturidade religiosa e tinha o direito de ler a Torá na sinagoga. Não temos, porém, dados para saber se realmente isso era realizado no tempo de Jesus, apesar de esse ritual nos ajudar a compreender a permanência de Jesus no Templo entre os mestres da Lei e a ver nele não somente alguém pleno de sabedoria, mas também aquele que revela a sabedoria do Pai. Jesus também é identificado como Mestre, como aquele que fala com autoridade (cf. Lc 4,32).

O evangelista não nos oferece nenhum detalhe sobre o que realmente ocorreu ou como foi possível não notar a ausência do filho na caravana de volta para Nazaré (vv. 43-45), dado que, provavelmente, a intenção do autor era realçar a preocupação dos pais ao perceberem a perda do filho.

Nos vv. 46-50, o narrador expõe a cena do encontro de Maria e José com Jesus e enfatiza a resposta deste diante da angústia dos pais. A indicação de tempo, após “três dias” (v. 46), é muitas vezes interpretada como uma alusão à morte e à ressurreição de Jesus, apesar de isso não ser uma característica de Lc. No entanto, tal aspecto pode ser considerado quando se sublinham as afinidades existentes entre esse relato e as narrativas da paixão, morte e ressurreição de Jesus.

No diálogo, nos vv. 48b-50, Jesus apresenta sua identidade e missão, ao se revelar como Filho de Deus (cf. Lc 4,43) e ao exprimir sua total disponibilidade à vontade do Pai. A cena do encontro de Maria com o filho é descrita de maneira simples, com um tom semelhante ao daquelas situações em que pais aflitos encontram os filhos supostamente perdidos, nas quais há uma mistura de preocupação, angústia, cuidado, “raiva”, como forma de desabafar o desespero que os sufocavam. Percebe-se, porém, que se trata de família que vive as exigências de sua vocação específica e, dialogando, tenta discernir a vontade de Deus diante dos acontecimentos cotidianos.

Apesar da incompreensão da atitude de Jesus, Maria não fica indiferente a esse mistério e o guarda no coração. Note-se que o Evangelho de Lucas permanece fiel à sua finalidade de revelar a verdadeira identidade de Jesus somente depois da ressurreição.

Os vv. 51-52 apresentam Jesus novamente submisso aos seus pais, vivendo conforme a Lei de Deus e cumprindo os mandamentos, sobretudo o de “honrar pai e mãe” (cf. Dt 5,16 e o texto da I leitura). Apesar do contraste com a cena precedente e da consciência de Jesus de sua filiação divina, estes versículos nos mostram que realmente o Filho de Deus assume a condição humana e o processo normal de crescimento. De fato, Lucas descreve Jesus adolescente, que progride em sua maturidade humana, física e espiritual. Também confirma o que é dito na I leitura, ou seja: aquele que é obediente aos pais e os trata com respeito receberá as bênçãos de Deus. O termo “graça” pode ser também traduzido por “amor”, “caridade”, ou bondade, que, conforme a II leitura, é o vínculo da perfeição.

Pistas para reflexão

A Sagrada Família, que se desloca para Jerusalém, convida-nos a percorrer caminhos novos, a escutar a Palavra de Deus e sua vontade. A escuta da Palavra nos faz romper com nossa mentalidade fechada, nossos esquemas preestabelecidos, nossas convicções absolutas, nosso modo fechado de viver, e nos insere na aventura de buscar novos horizontes e acolher essas realidades em nosso coração, como fez Maria.

Os textos bíblicos escolhidos para esta festa da Sagrada Família também nos apontam grandes desafios, a saber: a humanização de nossas relações familiares, a sensibilidade para com os pais (I leitura), o discernimento nas situações difíceis (evangelho), o acolhimento das diferentes etapas dos membros de nossas famílias, o amor mútuo nas relações conjugais (II leitura). Inspirando-se na Família de Nazaré, nossas famílias são chamadas a gerar vida, alimentar e sustentar os laços humanos e promover a solidariedade, tornando o ambiente familiar num lugar onde prevaleça a paz, o amor, a fraternidade, o respeito.

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