O BRASIL ENTRE O LIVRE MERCADO, O EXTRATIVISMO E O AGRONEGÓCIO – POR ANTONIO LUPO
Fonte: Entrevista com Antonio Lupo – Parte I
01.03.25 – Lorenzo Poli https://www.pressenza.com/it/2025/01/brasile-tra-libero-mercato-estrattivismo-e-agrobusiness-intervista-ad-antonio-lupo-parte-i/

O Brasil vive uma crise ecológica e ambiental sem precedentes e as implicações políticas e geopolíticas são mais complicadas do que parecem. Conversamos sobre isso com Antonio Lupo, oncologista e hematologista, ex-médico-chefe assistente do Hospital Niguarda de Milão, membro da Médicos pelo Ambiente (ISDE) e do Comitato Amigos Sem Terra Italia. Ambientalista que atua há muitos anos no Movimento Amigos Sem Terra Brasil de Italia e do Movimento Via Campesina, uma das maiores organizações camponesas e ambientais do Sul do Mundo, que conta com mais de 200 milhões de agricultores
Pergunta: Apesar do fim de Bolsonaro e da vitória de Lula há dois anos, como você vê o Brasil hoje?
Antonio Lupo: “A situação no Brasil é difícil e complexa. O Brasil é um país enorme, com 850 milhões de hectares, 27 vezes maior que a Itália, com uma população relativamente pequena, 212,5 milhões (censo de 2022), e com uma urbanização muito forte de 87,6% (2022). Nas megalópoles, as favelas (que não são subúrbios!) dobraram – de 2010 a 2022 – de 6 mil para 12 mil, e no mesmo período os habitantes de 6 para mais de 12 milhões.
Nos dois primeiros anos do governo Lula, a insegurança alimentar grave, que afetava 17,2 milhões de brasileiros em 2022, caiu para 2,5 milhões, de 8% para 1,2% da população. O ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Wellington Dias, disse que a renda melhorou: “A renda de todas as pessoas cresceu 11,5% e a renda dos mais pobres cresceu 38,6%”. A população ativa é de 108 milhões de pessoas, sendo 43,5% do sexo feminino (dados de 2023 do Calendário Atlante De Agostini 2025), mas o cientista político Valério Arcary lembrou que “há 38 milhões de empregos regulares, mesmo que a grande maioria deles sejam empregos mal remunerados. Mas, ao mesmo tempo, estamos testemunhando uma expansão da informalidade. Já temos pelo menos 40 milhões de pessoas trabalhando no setor informal.” Apesar da grande destruição causada pelo colonialismo desde o início até hoje e dos fortes efeitos do aquecimento global, o Brasil ainda possui uma enorme riqueza natural, não apenas na Amazônia. Certamente desempenha um papel fundamental na América Latina no setor industrial, especialmente em 3 setores: mineração, manufatura e serviços agroindustriais. O país explora minerais como ferro, ouro, prata, petróleo, carvão, estanho e diamantes. As maiores empresas de mineração do país – Anglo American, Vale S/A e Alcoa – são todas empresas privadas e multinacionais. A única indústria ainda estatal é a Petrobras, que pretende ser um centro de combustíveis fósseis para toda a América Latina, mas o Brasil (assim como a África) é alvo do extrativismo mineral e agrícola de todas as grandes potências, incluindo as do BRICS, principalmente a China.”
P: O modelo BRICS é com certeza uma alternativa ao unipolarismo atlantista liderado pelos EUA, mas é baseado na exportação de matérias-primas em vez da importação de tecnologia. Esta é realmente uma solução para o modelo capitalista e extrativista?
Antonio Lupo: “O nascimento do BRICS remonta a 2010, quando a África do Sul se juntou ao Grupo BRIC (China, Rússia, Índia e Brasil), que se expandiu em 2024 para incluir vários países – Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Em 1º de janeiro de 2025, mais nove países – Bielorrússia, Bolívia, Cuba, Indonésia, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão – tornaram-se parceiros aguardando a admissão final. Mais quatro países – Argélia, Nigéria, Vietnã e Turquia – foram convidados a aderir. Eles representam aproximadamente 4 bilhões de habitantes, ou seja, metade da população do planeta, em um território de 40 milhões de quilômetros quadrados.
Os BRICS atualmente respondem por 41,4% do PIB global, 37% do comércio global e 40% da produção global de petróleo. Eles certamente não são países anticapitalistas, soberanistas ou antiglobalização: a maioria deles tem um forte extrativismo de matérias-primas minerais (petróleo, gás, metais, minerais etc.) e de matérias-primas agrícolas que exportam, mas isso não exclui que alguns deles tenham uma forte insegurança alimentar. Por exemplo, a Índia, o país com a maior população do mundo, ficou em 111º lugar entre 125 países no Índice Global da Fome (GHI) de 2023 e em último lugar no ranking mundial de desnutrição “aguda” entre crianças: a taxa é de 18,7%. É impossível defini-los como “países democráticos”, basta pensar na persistência das castas e na caça aos muçulmanos pelo governo hindu-nacionalista de Modi, no regime de Al-Sisi no Egito ou na teocracia no Irã. E mesmo do ponto de vista de alianças políticas, nem todos os países BRICS são anti-EUA, mas concordam apenas com o multipolarismo: isto é, tentar afrouxar o jugo do monopólio do dólar sobre os mercados e as finanças, que, mais ou menos, continuam sofrendo.”
P: Qual é o papel atual da China no BRICS e, acima de tudo, qual paradigma de desenvolvimento ela está promovendo no Brasil?
Antonio Lupo: “Na minha opinião, a China não é uma democracia, mas é o único Estado-nação que “governa”, ou seja, planeja, decide e se relaciona em parte com suas 22 províncias e municípios, mantendo-se dentro de uma lógica de capitalismo de Estado. Seu papel no BRICS é central, inclusive para quebrar a dependência dos diversos países do dólar como moeda dominante, para o equilíbrio entre sua importação de produtos do extrativismo mineral e agrícola, especialmente dos países da África e da América Latina, e as exportações e investimentos e a oferta de produtos tecnológicos de diversos níveis, inclusive muito elevados.
Em relação ao Brasil, basta lembrar que em 2024 a China importou 69 milhões de toneladas de soja transgênica do Brasil: dois terços das 92 milhões de toneladas que o Brasil exportou, de um total de 147 milhões produzidas naquele ano (apenas 52 milhões foram consumidas no Brasil!). E para produzir e exportar soja transgênica, o Brasil – que tem o maior consumo de agrotóxicos do mundo – utiliza mais de 50% de todos os agrotóxicos vendidos no mundo. Os produtos químicos mais utilizados são os herbicidas à base de glifosato, mas também outros produtos da Syngenta (Suíça – China), Bayer e BASF (Alemanha), proibidos na Europa.
Também são utilizados inseticidas como o Larvin, produzido e vendido pela Bayer Brasil, e que contém o agente nervoso e cancerígeno Tiodicarbe, proibido na Europa. No Brasil, de uma área total cultivada de 88 milhões de hectares, 44 milhões de hectares são destinados ao cultivo de soja transgênica, principalmente na Amazônia, no Cerrado e no Mato Grosso, de Blairo Maggi, o rei da soja. Em 1992, a soja representou cerca de 8% da safra brasileira. Em 2022, foram produzidas 120 milhões de toneladas de soja por ano em 40 milhões de hectares, com uma duplicação da área utilizada em relação a 2008, 21,2 milhões de hectares, e um aumento de mais de 10 milhões de hectares também em relação a 2015. O Brasil é um dos poucos países que exporta para a China muito mais do que importa, com um saldo decididamente positivo: até 43,4 bilhões de dólares em 2021. E isso é motivo para receber tratamento especial, diz Andréa Curiacos Bertolini, assessora de agricultura do governo brasileiro entre 2019 e 2023, na época de Jair Bolsonaro. “Do ponto de vista estratégico, a China depende do Brasil”, disse ele. “Para os chineses, a alternativa seria comprar dos estadunidenses. Mas por causa da atual guerra comercial eles preferem negociar conosco.” Atualmente, Brasil e China também colaboram em projetos para produção e utilização no Brasil de tratores e biofertilizantes já produzidos e utilizados na China.”
O Brasil entre o livre mercado, o extrativismo e o agronegócio.
Entrevista com Antonio Lupo – Parte II
Fonte: 01.02.25 – Lorenzo Poli https://www.pressenza.com/it/2025/02/brazil-between-free-market
extractivism-and-agrobusiness-entrevista-com-antonio-lupo-parte-ii/
Pergunta: Lula é certamente um anticorpo ao fascismo e ao imperialismo norte-americano na região, mas ele não tem uma cultura camponesa e nós vemos isso em suas posições sobre os acordos de livre comércio entre a UE e o Mercosul. O que está acontecendo?
Antonio Lupo: Lula (presidente de 2002 até o final de 2010 e de 2023 até o presente) foi metalúrgico, sindicalista e um dos fundadores do PT (Partido dos Trabalhadores) em 1982. Sempre morou na cidade, mas era sensível aos problemas da fome da população e à realidade da produção agrícola: um de seus primeiros atos como presidente foi o maravilhoso programa “FOME ZERO”, que foi apresentar na ONU. Em maio de 2010, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) das Nações Unidas concedeu a Lula da Silva o título de “campeão mundial na luta contra a fome” « Qual é o balanço social de Lula? » – O Mundo Diplomático em Espanhol. O Movimento Sem Terra apoiou Lula, mas não obteve grandes resultados para a Reforma Agrária. Menos sensível ainda aos problemas da agricultura familiar foi certamente a próxima presidente, Dilma Rousseff, também do PT, que foi deposta em um golpe em 2016.
As negociações entre a UE e o bloco comercial do Mercosul (que inclui Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) começaram em 2000 e foram concluídas em dezembro de 2024, também assinadas por Milei, o presidente fascista e anarcocapitalista “trumpiano”, da Argentina. O acordo do Mercosul é contestado por movimentos populares na América Latina, incluindo o MST, por alguns estados europeus, que temem a exportação do agronegócio brasileiro (carne bovina, etc.), mas também pela Via Campesina Europeia, o movimento ecológico de pequenos agricultores europeus, que faz parte da Via Campesina Internacional, o grande movimento global de 200 milhões de pequenos agricultores.
Alguns governos europeus, como o da França, se opõem ao Mercosul por protecionismo, a Itália de Meloni é ambígua, pensando em promover produtos feitos na Itália, mas os pequenos agricultores sabem bem que o Mercosul é uma vitória do agronegócio e da grande distribuição, que estrangula os pequenos agricultores, como o Parlamento Europeu e sua política vêm fazendo há muitos anos, com o Programa de Aceleração do Cresicimento (PAC), que financia 80% dos grandes produtores, do agronegócio e obedece aos produtores europeus de agrotóxicos.
Lula provavelmente assinou também para buscar apoio na Europa e escapar parcialmente do
domínio dos EUA, que apoiaram o golpe e o governo do fascista Bolsonaro, mas isso não reverte a expansão do agronegócio no Brasil e em toda a América Latina. Devemos ter em mente que no Brasil Lula é presidente, mas a maioria dos dois Parlamentos ainda é de centro e direita neoliberal. No atual governo Lula, há um ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, ex-pecuarista, que sempre esteve ligado ao agronegócio, enquanto Paulo Teixeira é ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e é do PT. Para concluir um caos enorme!”
Pergunta: Embora Lula tenha anunciado a redução do desmatamento e políticas ambientais sérias, infelizmente o Pré-Sal continua existindo e a Amazônia continua sendo devastada para dar lugar a monoculturas intensivas nas mãos de multinacionais que determinam o uso intensivo de pesticidas (incluindo o glifosato), pecuaria intensiva, emissões de gases de efeito estufa, resistência aos medicamentos para produtos fitofarmacêuticos aos quais a Natureza inevitavelmente reage. Qual é a situação hoje?Antonio Lupo: “O desmatamento na Amazônia nestes 2 anos de governo Lula, com o objetivo de “desmatamento zero até 2030”, para, entre outras coisas, “estocar” 6 bilhões de toneladas de CO2 (uma fatia maior que as emissões anuais dos Estados Unidos) diminuiu 30,6% em relação a 2023 e 45,7% em relação a 2022, no Pantanal em 77,2 e no Cerrado em 48,4% em 2023 em relação a 2024. O verdadeiro desafio, para o Brasil que coloca o meio ambiente no centro, estará então em conciliar os objetivos de conservação com os planos decenais de “reindustrialização” do país.
Recentemente, surgiram protestos entre comunidades indígenas do Mato Grosso e do Pará contra a construção da ferrovia EF-170 ou “Ferrogrão” (também chamada de “ferrovia da soja”, devido
ao uso comercial a que se destinam os quase mil quilômetros de infraestrutura), que deverá
destruir 25.000 hectares de floresta tropical entre as bacias do Xingu e do Tapajós.”
Os problemas mais graves e importantes são a seca, os incêndios, 98% dos quais são provocados por pecuaristas para desmatar florestas, e a degradação, que já afeta uma área três vezes maior do que a afetada pelo desmatamento. O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina. A pecuária intensiva e os matadouros industriais também são responsáveis por mais de 80% do desmatamento em seu território. O WWF afirma que um quinto (17%) da carne bovina importada do Brasil para a União Europeia está ligada ao desmatamento ilegal. Com mais de 1 milhão de toneladas, a Itália é o maior importador europeu de carne bovina do Brasil, também usada para fazer produtos como a Bresaola della Valtellina IGP. No Brasil as principais fontes de energia são: energia hidrelétrica, petróleo, carvão ebiocombustíveis, além de outras fontes utilizadas em menor escala, como gás natural e energia nuclear. Energia hidráulica. 75% da energia elétrica produzida no Brasil vem de usinas
hidrelétricas, que representam 42% da matriz energética brasileira.
O pré-sal é outro grande problema. A Petrobras descobriu o Pré-Sal em 2006, o que abriu um novo capítulo na história energética do Brasil, tornando-o um dos maiores produtores de petróleo do mundo. O Pré-Sal atingiu 81% de participação na produção nacional de petróleo em setembro de 2024, com recorde de 3,6 milhões de barris produzidos por dia. Mas onde está o Pré-Sal? A área foi definida por um polígono de 149 mil km², entre os estados de Santa Catarina e Espírito Santo, que inclui grande parte das bacias de Santos e Campos, as maiores bacias produtivas do país. O campo de petróleo está localizado em águas muito profundas, até 7 mil metros abaixo da superfície. Evidentemente, o Pré-Sal é uma violência horrível ao mar e aos oceanos, que são 70% da superfície do globo, que absorvem gases de efeito estufa junto com o fitoplâncton, contrastante o aquecimento global de origem antrópica, ou seja, eles são os verdadeiros donos do Planeta, juntamente com a atmosfera. Lula sempre foi favorável ao Pré-Sal, como motor do desenvolvimento do Brasil e da América Latina, e no ano passado também se declarou favorável à extração de petróleo na costa da Amazônia, no litoral do estado do Amapá, em contraste com a posição de Marina Silva e do Ministério do Meio Ambiente, que manifestaram “preocupação” com os possíveis riscos ambientais.”
O Brasil entre o livre mercado, o extrativismo e o agronegócio. Entrevista com
Antonio Lupo – Parte III 02.02.25
Fonte: – https://www.pressenza.com/it/2025/02/brasil-entre-o-extrativismo-de-livre-mercado-eo
agronegócio-entrevista-com-antonio-lupo-parte-iii/
Pergunta: Você acha que há um problema de reflexão na esquerda brasileira para entender essa
situação polêmica?
Antonio Lupo: “Não consigo fazer uma análise aprofundada. Se nos referirmos aos partidos de esquerda, PSOL e PT, acho que eles não estão em grande forma. Nas eleições municipais de 2024, 78% dos cidadãos votaram (muito mais do que na Itália e na Europa!), mas a esquerda não se saiu bem porque os projetos de mudança – não de “desenvolvimento” – não são claros em uma nação pobre e ainda “colonial”, onde a exportação de matérias-primas e a urbanização ainda prevalecem. Na realidade, a vida é mais do que pobre, ela não tende a diminuir, na verdade, ela cresceu um ponto nos últimos 15 anos. No plano social e de movimentos, há uma grande variedade no Brasil, mas talvez faltem objetivos unificadores que abordem o principal problema do mundo inteiro, a crise das cidades tanto na socialidade quanto na produção de trabalho em um mundo dominado pelo capitalismo financeiro, robotizado e ultradigitalizado.”
Pergunta: O Movimento Sem Terra e a Via Campesina têm como pilares a luta pela Soberania Alimentar, o cuidado da Terra, a agricultura camponesa e natural; mas hoje parece que o Brasil está indo na direção oposta: expulsão progressiva dos camponeses e redução de sua força de trabalho em poucos anos. Qual é a situação hoje e em que direção você acha que nós, como movimentos, devemos avançar?
Antonio Lupo: “O Movimento Sem Terra comemorou seu 40º aniversário no ano passado. O Congresso Nacional não foi realizado (o anterior foi em 2014, 10 anos antes), devido à tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul causadas por violentas correntes de ar vindas da Amazônia desmatada até o Atlântico, que comprometeram principalmente as colheitas de arroz, alimento fundamental para todos os brasileiros, além das enchentes. Lamento dizer isso, mas me parece que o MST fala de Agroecologia – termo que, a meu ver, muitas vezes é genérico –, mas muito menos de Soberania Alimentar (termo do qual Meloni se apropriou falsamente ao acrescentá-lo à definição do Ministério da Agricultura). No último Congresso Nacional do MST, em 2014, em Brasília, do qual participamos, a perspectiva do movimento foi definida como “Reforma Agrária Popular”, ou seja, era necessária uma forte aliança entre agricultores e população da cidade, pois os pequenos agricultores sozinhos não conseguem resistir ao poder excessivo do agronegócio multinacional e, portanto, não produzem alimentos saudáveis e sustentáveis para os cidadãos.
Admitiu-se, portanto, uma situação difícil, documentada pela diminuição contínua da força de trabalho do setor primário, ou seja, dos agricultores, de 16% do total em 2008 para 8% em 2023. Dez anos depois, em vista do Congresso Nacional do MST que ocorrerá em 2025, em um artigo do Jornal Brasil de Fato, de 4 de janeiro de 2025, podemos ler as declarações de algumas das mais destacadas lideranças do MST.
Segundo João Pedro Stedile, a agenda da reforma agrária está “paralisada”, sem que o governo tenha feito uma única desapropriação nos últimos dois anos. O líder dos Sem Terra afirma que o governo está “bloqueado”. João Paulo Rodrigues, outra liderança nacional do movimento, disse que “pelo menos 65 mil famílias vivem acampadas, esperando a regularização de seus territórios. Queremos a colocação de 65 mil famílias do MST. Não aceitamos nada menos.” O ministro Teixeira, do MDA, prometeu a desapropriação de cinco áreas onde estão localizados acampamentos do MST. O movimento chegou a pressionar o presidente Lula a assinar os decretos antes do Natal, o que não ocorreu. No documento final da Coordenação Nacional do MST, elaborado por 400 gestores, em 24 de janeiro de 2025, consta que:
- O atual momento da política neoliberal vigente no Brasil tem aprofundado a barbárie, nas diversas vertentes da violência contra a classe trabalhadora no campo e nas cidades.
- No campo há uma paralisação da Reforma Agrária, devido à desnacionalização das terras brasileiras, à privatização dos bens naturais que alimenta o projeto de morte da atividade agro
hidro-mineral, com consequente crise ambiental – que se expressa nos territórios e em nível global
3- Devemos nos comprometer a produzir alimentos saudáveis para todos os brasileiros, massificar a agroecologia, respeitar a diversidade dos biomas, combater os agrotóxicos e fortalecer a cooperação e a agroindustrialização para organizar a experiência coletiva na produção, no trabalho e nas relações humanas. Tudo com que concordo, mas me parece que faltam duas referências fundamentais, dois lados da mesma moeda: a Soberania Alimentar e a propriedade e qualidade das SEMENTES. Quando no Brasil 2/3 das terras são utilizadas para o cultivo de soja e milho transgênicos – para fazendas intensivas europeias e principalmente chinesas – e cada vez menos terras são utilizadas para o cultivo de feijão (alimento básico e de alto custo), enquanto a comida lixo (junk food), por custar pouco, se torna acessível a todos e torna as crianças pobres obesas; podemos dizer que existe Soberania Alimentar? E se os agricultores não possuem as sementes para produzir alimentos locais e de sazonal para vender diretamente, o que significa a palavra Agroecologia? Como Stedile afirmou, precisamos retomar a terra do agronegócio e começar a cultivá-la novamente, com muitos agricultores, certamente também com alguma tecnologia sustentável (pequenos tratores).”
Pergunta: Que direção os movimentos altermundialistas de esquerda devem tomar? Ainda é muito utópico pedir para falar sobre ecologia social?
Antonio Lupo: “Respondo citando um trecho de um artigo de Gilmar Mauro, liderança do MST: “Como solução, além de termos de plantar 80 milhões de hectares de árvores para capturar rapidamente o CO2, é preciso repensar o consumo e, consequentemente, todo o setor – com especial destaque para a atenção à construção civil – para abolir as emissões de gases de efeito estufa. Precisamos repensar as cidades, os transportes, a cultura alimentar – é possível alimentar toda a humanidade de forma agroecológica – nas mesmas agroflorestas, com tecnologias adequadas, aliando a conservação da natureza a relações de trabalho justas e democráticas. Isso significa transformar o território e os recursos naturais em patrimônio público coletivo, com reforma agrária popular e reforma urbana. Significa descentralizar a ocupação do solo, desdensificando grandes centros urbanos. O que inevitavelmente implica que temos que fazer uma revolução. É a única alternativa que temos. Não só com o confisco dos meios de produção – como historicamente defendemos – mas agora com novos paradigmas tecnológicos e ocupação do território para viver uma nova cultura, com outras formas de sociabilidade e felicidade.”