CARTA ABERTA POR UMA CIDADE DE RIBEIRÃO DAS NEVES, MG, SUSTENTÁVEL, JUSTA E DEMOCRÁTICA!

CARTA ABERTA POR UMA CIDADE DE RIBEIRÃO DAS NEVES, MG, SUSTENTÁVEL, JUSTA E DEMOCRÁTICA! Em defesa do direito à cidade e à cidadania

Nós, 238 participantes do Seminário Municipal “70 anos de Neves? História, Direito à Cidade e Cidadania”, cidadãos e cidadãs de todas as regiões da cidade, representando diferentes entidades e movimentos sociais, nos dias 28 e 29 de junho de 2024, no IFMG/Campus Ribeirão das Neves, dirigimo-nos às autoridades constituídas e candidatos/as às eleições municipais de 2024, assim como à população em geral, por meio desta Carta Aberta, para apresentar os desafios e as propostas para a construção de um projeto de uma cidade “da gente”, mais justa, igualitária, democrática e feliz.

Considerando que a Constituição Federal de 1988 garante os direitos sociais à saúde, à educação, à alimentação, à habitação, à previdência, à assistência social, ao trabalho, entre outros;

Considerando que o Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/2001, define o direito à cidade como o direito às cidades sustentáveis, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, e que ele prevê a gestão democrática por meio da participação popular na formulação, execução e acompanhamento de planos e projetos de desenvolvimento urbano

Considerando que a realidade de Ribeirão das Neves tem grandes desafios a enfrentar para a construção de uma cidade que garanta direitos sociais, ambientais e humanos, destacamos os desafios aqui descritos, conforme relatos dos participantes no Seminário.

Em relação à saúde: é preocupante e lamentável a situação dos serviços básicos de assistência, promoção e prevenção à saúde, assim como, dos serviços de urgência, emergência e atendimento especializado; a trágica situação da falta de medicamentos de uso contínuo, controlados e de materiais em geral nos PSF e UBRs; a insatisfação da população com o atendimento no Hospital SJT, com a falta de equipamentos para exames; o longo tempo de espera para conseguir um exame de urgência ou uma consulta especializada; a falta de insumos para exames ginecológicos e demora em casos de suspeita de câncer, em que mulheres aguardam meses para a confirmação da biópsia e outros meses para início do tratamento; a mudança dos postos de saúde para lugares distantes, sem consulta à comunidade; a inviabilização da participação dos usuários no Conselho de Saúde, devido ao horário diurno e falhas na comunicação com a população.

Em relação à educação: preocupa muito a violência dentro das escolas e a falta de segurança fora delas; a gestão das escolas estão fechadas à participação das famílias e da comunidade; a gestão escolar é vista por muitos como autoritária e controlada pelos partidos políticos do poder executivo e legislativo; as políticas de apoio para pessoas PCD, inclusão nas escolas e acessibilidade na cidade são consideradas insuficientes; a modalidade da EJA não atende a demanda, porque está distante da população mais idosa e dos estudantes trabalhadores/as; a oferta de formação profissional e técnica é insuficiente e sem articulação entre as redes municipal e estadual. 

Em relação à cultura: a população não tem acesso, principalmente nos bairros mais periféricos; não há opções e incentivo à cultura e lazer para os jovens; não há uma política municipal de cultura que garanta recursos e continuidade das ações; os grandes eventos, controlados por interesses partidários, não são vistos como opção garantidora de direitos; os eventos de Rap de iniciativa popular são expulsos pela polícia de locais públicos; o fechamento e o incêndio no Curumim são vistos como resultado do descaso e desrespeito com crianças e adolescentes; existe um processo de “marginalização da cultura popular e local” por falta de visibilidade e política democrática na cultura; os recursos federais são vistos como mal administrados.

Sobre a economia local: falta apoio para artesãos; não há lei e política municipal para a economia popular solidária na cidade, como fator de desenvolvimento econômico, cultural e social; falta política municipal para a produção sustentável, agroecológica de alimentos e de apoio à agricultura familiar e urbana;

Sobre o meio ambiente, a política ambiental carece de democracia e de amplitude para enfrentar os graves problemas da cidade e as ameaças climáticas a serem enfrentadas daqui para frente;

Quanto à assistência social, há apenas um CREAS, sobrecarregado com as demandas, e apenas nove CRAS de base territorial com poucos recursos, equipes pequenas e com pouca oferta de serviços e oportunidades; a inclusão de famílias nos programa sociais, como o Bolsa-Família, é considerada abaixo da demanda, para uma população com alta vulnerabilidade socioeconômica e insegurança alimentar, com falta de alimentos em quantidade e qualidade.

As políticas municipais transversais de equidade, igualdade e de direitos humanos são quase inexistentes na cidade; a instalação da Casa da Mulher foi positiva, mas não há políticas públicas consistentes para o enfrentamento à violência contra mulheres, a comunidade LGBTQ+, e tradicionais, da violação de direitos humanos em geral; não há políticas ou campanhas contra a homofobia e o racismo e suas consequências para uma população de mais de 70% de pardos e negros na cidade.

No âmbito do controle social, há, nos últimos anos, um desmantelamento dos conselhos de direitos e da gestão compartilhada, por falta de pessoal, de políticas de incentivo e comunicação; o poder público local é visto como ausente ou inconsistente em debates que interessam à população, como na política municipal de moradia e sobre os impactos negativos da proposta de traçado rodoviário do Rodoanel, principalmente para a comunidade Quilombola N. S. do Rosário e as áreas de preservação ambiental, como a região da Lajinha.

A respeito do transporte público: a população trabalhadora sofre com os transportes coletivos intermunicipais sem qualidade, ônibus lotados, passagens muito caras, ônibus sem manutenção; viagens penosas, já que os motoristas fazem duas funções, atrasando as viagens; da mesma forma o transporte municipal não atendem as necessidades da população, não favorecem a integração entre as regiões e os quadro de horários são insuficientes e não cumpridos adequadamente.

A política pública de tratamento dos resíduos sólidos e de recuperação de nascentes é vista como ausente. A população do bairro Porto Seguro vem lutando para a preservação de nascentes e das matas ainda existentes, enquanto o poder público quer entregar a área para empresas, com grandes impactos negativos sobre o meio ambiente local e sem discutir com a população o EIA/RIMA.

A respeito da ocupação e uso do solo, Neves tem uma problemática histórica e complexa, com loteamentos irregulares e sem a mínima infraestrutura, configurando áreas densamente ocupadas e diversos bairros sem regularização fundiária; não há um conselho municipal de habitação atuante e democrático; embora os aumentos dos valores do IPTU sejam exorbitantes e constantes, não há melhorias da infraestrutura urbana e rural e das condições de vida na mesma proporção.

Sobre a presença das prisões na cidade, embora a população tenha apontado os impactos positivos da desativação da Penitenciária José Maria Alkimin e transformação em uma universidade no centro da cidade para o desenvolvimento econômico, cultural e simbólico, o governo municipal se mantém ausente desse debate e não contribui para tornar a proposta viável.

Diante dos desafios expostos, frente ao quadro preocupante das políticas públicas e desejo de uma gestão mais democrática para a cidade, nós, dos movimentos organizados de diferentes regiões e setores sociais, PROPOMOS E SOLICITAMOS às autoridades constituídas e aos candidatos e candidatas às eleições municipais de 2024 o compromisso com as seguintes propostas estruturantes para a construção de uma cidade mais justa, democrática e sustentável:

SaúdePriorizar e investir mais recursos na Atenção Básica de Saúde, na prevenção e promoção;
Construir mais PSF em locais mais afastados;
Construir um novo Hospital Geral, de porte médio, com maternidade;
Valorização dos profissionais de saúde para reduzir rotatividade de profissionais e falta de especialistas;
Criar os conselhos regionais e as comissões locais de saúde, até 2025;
Realizar novos concursos públicos frequentes e transparentes para todas as áreas sociais;
EducaçãoEfetivar a prática da gestão democrática nas escolas públicas, sem interferências partidárias e religiosas;
Ampliar os convênios e o número de centros infanto-juvenil para o atendimento no contra turno escolar, para a faixa de 9 a 14 anos;
Ampliar a oferta de vagas para a educação infantil e ampliar a oferta de ensino integral para a educação infantil e fundamental;
Implantar o passe estudantil para os estudantes e o transporte escolar para o ensino fundamental e educação infantil;
Descentralizar a oferta da EJA.
Ampliar a oferta de cursos profissionais e técnicos na cidade com maior integração da rede municipal, estadual e federal da cidade;
Criar e melhorar políticas de inclusão social nas escolas para pessoas PCD e de acessibilidade na cidade.
CulturaConstruir e estruturar, de forma democrática, a política e o sistema público de cultura;
Criar centros culturais públicos descentralizados e um centro de referência da juventude, com gestão compartilhada entre a sociedade civil e o poder público;
Impacto de grandes projetosNão autorizar o traçado do Rodoanel no município;
Cumprir a legislação ambiental e realizar audiências públicas com as comunidades atingidas pelos impactos de grandes projetos urbanos e ambientais, como o Rodoanel e o de empresas de asfalto no bairro Porto Seguro;
Realizar o planejamento adequado, segundo os impactos no SUS, para implantação de novos conjuntos habitacionais;
Assistência socialConstruir mais um CREAS na cidade e, pelo menos mais três CRAS, em regiões mais afastadas;
Ampliar a oferta de cestas básicas e de ações de segurança alimentar e nutricional;
Ampliar serviços de ações emergenciais do plantão social e melhorar o serviço de apoio funerário com funcionamento regular de 24hs e divulgá-lo amplamente;
Meio ambienteConstruir, de forma democrática, uma política ambiental, que contemple as três regiões da cidade com projetos para recuperação e preservação de nascentes, como o plantio de árvores nativas e ações de reflorestamento e recuperação de solos;
Desenvolver um programa de formação em educação ambiental nos bairros com a participação da sociedade civil e das comunidades locais para garantir a preservação a longo prazo; Efetivar um plano de manejo da APA Lajinha;
Desenvolver um programa de tratamento de resíduos sólidos e coletiva seletiva;
Desenvolver um plano municipal de enfrentamento às mudanças climáticas; e de proteção animal;
HabitaçãoConstruir, de forma democrática, uma política e o sistema municipal de habitação por interesse social, incluindo o PMCMV, Regularização Fundiária, Programas subsidiados para construção e melhorias habitacionais;
Fortalecer e democratizar a gestão do Conselho de Habitação.
Desenvolvimento socioeconômico e economia popularIncentivar a produção, comercialização e consumo dos produtos da Economia Solidária.
Implementar a lei municipal de economia solidária e instrumentos jurídicos para compras institucionais dos empreendimentos solidários;
Criar uma política municipal de apoio à agricultura familiar e urbana, voltada para a produção sustentável, agroecológica de alimentos de verdade;
Criar uma Secretaria municipal de “desenvolvimento socioeconômico”;
TransporteReestruturar o sistema de transporte coletivo municipal com a participação efetiva da sociedade civil para que possa atender as necessidades reais de toda a população;
Mulheres, Direitos humanos e equidadePromover e reforçar campanhas educativas de enfrentamento à violência contra as mulheres nas escolas, dirigidas aos homens e à população geral;
Criar uma secretaria municipal de “Direitos Humanos e Inclusão Social’’ com subsecretarias para as pastas de mulheres, juventudes, igualdade racial, comunidade LGBTQ+ e outras temáticas afins;
Controle socialRealizar as reuniões dos conselhos de políticas públicas em horários noturnos;
Fortalecer a gestão compartilhada e os conselhos de direitos e políticas públicas da cidade;
Desenvolvimento social e justiça criminalAssumir publicamente o compromisso político com a pauta da desativação da Penitenciaria José Maria Alkimin e a sua transformação em uma Universidade Pública, espaço de cultura e memória da cidade.

Por fim, nós dos movimentos organizados de diferentes regiões e setores sociais do município de Ribeirão das Neves, assinados em anexo, nos comprometemos diante da população a ampliar e manter nossa articulação;  dar continuidade aos nossos encontros para avaliação contínua das políticas públicas da cidade, fortalecendo o trabalho de formação política e de a auto-organização da população em todas as regiões, articulando e incentivando a participação social nos conselhos e espaços de gestão compartilhada.

Ribeirão das Neves, MG, 29 de junho de 2024.

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