Domingo de Ramos, Jesus e a luta.
De forma clandestina, Jesus e os seus entram em Jerusalém.
Gilvander Moreira[1]
Em uma colônia do Império Romano – a Palestina -, após uma longa marcha desde a Galileia, Jesus e seu movimento popular-religioso estavam às portas de Jerusalém (Lc 9,51-19,27).
De forma clandestina, não confessando os verdadeiros motivos, Jesus e o seu movimento entram na capital, conforme narra o Evangelho de Lucas (Lc 19,29-40). De alguma forma deve ter acontecido essa entrada de Jesus em Jerusalém, provavelmente não tal como relatada pelo evangelho, visto ter também um tom midráxico, ou seja, quer tornar presente e viva uma profecia do passado. Montado em um jumentinho, Jesus evoca a profecia de Zacarias que dizia: “Teu rei vem a ti, humilde, montado num jumento. O arco de guerra será eliminado” (Zc 9,9-10).
Dois discípulos recebem a tarefa de viabilizar a entrada na capital, de forma humilde, mas firme e corajosa. Deviam arrumar um jumentinho – meio de transporte dos pobres -, mas deviam fazer isso disfarçadamente, de forma “clandestina”. O texto repete o seguinte: “Se alguém lhes perguntar: “Por que vocês estão desamarrando o jumentinho?”, digam somente: ‘Porque o Senhor precisa dele’”. A repetição indica a necessidade de se fazer a preparação da entrada na capital de forma clandestina, sutil, sem alarde. Se dissessem a verdade, a entrada em Jerusalém seria proibida pelas forças de repressão, tal como fez a tropa de choque de Minas Gerais com o MST[2], em 10 de abril de 1996, quando 500 militantes Sem Terra marchavam de Governador Valadares a Belo Horizonte, em 15 dias de marcha. Na entrada da capital mineira foram barrados pela polícia. Vinte lideranças foram presas e outras 22 pessoas foram hospitalizadas. Mas, no dia seguinte, os marchantes conseguiram entrar e chegar ao coração de Belo Horizonte. Foram acolhidos por pessoas sensíveis às lutas por justiça social, mas abominados pelos defensores do status quo capitalista.
Há quase 2 mil anos atrás, na periferia de Jerusalém, discípulos/as, com os “próprios mantos”, prepararam um jumentinho para Jesus montar. Foi com o pouco de cada um/a que a entrada em Jerusalém foi realizada. A alegria era grande no coração dos discípulos e discípulas, povo organizado. “Bendito o que vem como rei…” Viam em Jesus outro modelo de exercer o poder, não mais como dominação, mas como gerenciamento do bem comum.
Ao ouvir o anúncio dos discípulos – um novo jeito de exercício do poder – um grupo de fariseus se incomodou e tentou sufocar aquela ótima notícia para os pobres, um evangelho. Hipocritamente chamam Jesus de mestre, mas querem domesticá-lo, domá-lo. “Manda que teus discípulos se calem.”, impunham os que se julgavam salvos e os mais religiosos. “Manda…!” Dentro do paradigma “mandar-obedecer”, eles são os que mandam. Não sabem dialogar, mas só impor. “Que se calem!”, gritam. Quem anuncia a paz como fruto da justiça testemunha fraternidade e luta por justiça, o que incomoda o status quo opressor. Mas Jesus, em alto e bom som, com a autoridade de quem vive o que ensina, profetisa: “Se meus discípulos (profetas) se calarem, as pedras gritarão.” (Lc 19,40). Esse alerta do Galileu virou refrão de música das Comunidades Eclesiais de Base: “Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão. Se fecharem uns poucos caminhos, mil trilhas nascerão… O poder tem raízes na areia, o tempo faz cair. União é a rocha que o povo usou pra construir…!”
Em um domingo, uns festejavam a chegada de Jesus em Jerusalém. “Bendito aquele que vem…”, exclamavam. Cinco dias após, outros enfurecidos, gritavam “crucifica-o! Crucifica-o!” Como entender essas duas posturas diametralmente opostas? Trata-se do mesmo grupo que se comporta como folha ao vento? Certamente são dois grupos bem diferentes. O grupo que aplaudiu Jesus é o movimento de Jesus, composto por discípulos e discípulas que o seguiam desde a Galileia: camponeses, mulheres e, em sua esmagadora maioria, povo pobre. Os que vaiam e pedem a condenação de Jesus é a massa que sobrevive em Jerusalém, em torno do Templo. Das cerca de 30 mil pessoas que vivia na cidade de Jerusalém, 70% se contentava com as migalhas que caiam da mesa do sistema opressor que girava em torno do Templo.
As Jerusaléns de hoje continuam impedindo a entrada dos profetas, do povo, das lutas populares. Os grandes centros expulsam os pobres e querem calar a voz das profecias, como o Império e o Templo fizeram com Jesus. Uma coisa é certa, é princípio da espiritualidade cristã: quando se tenta calar a voz dos que clamam por justiça a luta se fortalece e de forma “clandestina e silenciosa”, como a estratégia de buscar o jumentinho naquele “domingo de ramos”, se espalha por todos os cantos. Porque a vitória será da Justiça Social, da Verdade que liberta e da Paz que é fruto da luta do povo.
É bom lembrar que, após a entrada em Jerusalém, Jesus é condenado à morte na cruz, mesmo sendo inocente. Foi condenado pelos poderosos e pela omissão daqueles que se mantiveram do lado do Poder. Hoje, nas situações concretas, de que lado estamos? Do lado dos que lutam por justiça ou do lado dos que condenam os discriminados?
Glorificam Jesus os que lutam pela terra, pela defesa do ambiente, contra toda forma de opressão e injustiça, mesmo correndo o risco da discriminação. Os verdadeiros cristãos não podem simplesmente cruzar os braços ante as injustiças, mantendo-se confortavelmente entre a maioria indiferente às causas que ameaçam VIDA todos os dias.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 31 de março de 2012, 25 anos do martírio de Roseli Celeste Nunes da Silva, a Rose que participou junto com Sem Terra do MST da Ocupação da Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul em 1985. Na época, Rose estava grávida de seu terceiro filho, Marcos, que acabou sendo a primeira criança a nascer no Acampamento em 28/10/1985. Em 31/03/1987, Rose foi assassinada, atropelada por um caminhão de uma empresa agrícola que jogou-se contra uma manifestação de Sem Terra na beira de uma estrada, perto do Acampamento da Fazenda Annoni. Atualmente seu filho Marcos Tiarajú, que aparece no Filme Sonho de Rose e seu pai José Corrêa da Silva estão no Assentamento Filhos de Sepé, no município gaúcho de Viamão.
[1] Frei e padre carmelita; mestre em Exegese Bíblica; professor do Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos, no Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA -, em Belo Horizonte – e no Seminário da Arquidiocese de Mariana, MG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis – facebook: gilvander.moreira
[2] Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.