Lc 21,25-28.34-36 – ADVENTO: A EXPECTATIVA QUE ANTECIPA O QUE SE ESPERA. Por Marcelo Barros

Lc 21,25-28 e 34-36 – ADVENTO: A EXPECTATIVA QUE ANTECIPA O QUE SE ESPERA. Por Marcelo Barros

No Brasil de algumas décadas atrás, nas passeatas e manifestações populares de luta por direitos, era comum se ouvir o grito de luta: “Povo unido, jamais será vencido!”. Em nossos dias, alguém perguntava: Por que, atualmente, nas passeatas, quase não se escuta mais esse grito? Será que a sucessão de golpes e perdas que, em anos mais recentes, os movimentos populares sofreram acarretou maior prudência em expressar nossa confiança de vitória?

No começo do século XX, os primeiros fóruns sociais tinham como tema: “Um outro mundo é possível”. Em 2016, em Montreal, o Fórum Social preferiu colocar como tema: “Outro mundo é necessário. Juntos, podemos torná-lo possível”.

Ao reler as duas formulações, percebe-se um cuidado maior em redimensionar a nossa esperança. De certa forma, esse mesmo problema foi vivido pelas primeiras comunidades cristãs no século I da era cristã e isso aparece nas leituras deste primeiro domingo do ano litúrgico.

Neste ano C, no 1º domingo do Advento, dia 01/12/24, as comunidades leem um trecho das palavras que Jesus teria dito em Jerusalém, antes de ser preso. São palavras de Jesus sobre para onde caminha a história. O texto é Lc 21,25-28 e 34-36.

Neste novo ano litúrgico, (o C do ciclo de três anos), iniciamos o evangelho de Lucas que nos acompanhará durante ano de 2025. Começamos a ler o evangelho, não por seu início, mas pelo final que aponta: a meta da história que desejamos: a realização do projeto divino no mundo.

A tradição das Igrejas costuma falar em segunda vinda do Cristo. Como cremos que Ele está entre nós e em nós, não há sentido em falar que Ele voltará. O que, em grego, o evangelho chama de parusia é a manifestação de sua vinda, ou seja, de sua presença permanente em nós e no mundo em todas as criaturas. Temos de traduzir isso em nossa cultura.

Provavelmente, as comunidades de Lucas viveram depois dos anos 80 do primeiro século e pertencia à segunda geração cristã. Lucas pode ter sido o único autor do Novo Testamento não judeu. Parece que nasceu na Síria (Antioquia) e o seu evangelho surgiu, ou naquela região ou, seja como for, a partir da cultura grega. Neste caso, o evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos – 25% dos textos neotestamentários – são os únicos escritos do Novo Testamento que nasceram na Europa.

Nos anos 80 do primeiro século, as comunidades de Lucas sabiam que as primeiras comunidades cristãs acreditavam que o reino de Deus viria imediatamente. A primeira geração cristã acreditava estar vivendo os últimos momentos da história. O ano 100 estava se aproximando e muitos diziam “de 100 não passará!” como muitos disseram que de 1.000 ou de 2.000 não passariam o mundo. No entanto, o tempo passava e nada ocorria. A comunidade de Lucas teve de lidar com isso: ajudar os irmãos e as irmãs a manterem a expectativa do estabelecimento do projeto divino no mundo, sem pensar que isso significaria já o fim da história e a vitória final.

Concretamente, o que significa para nós, hoje, celebrar o Advento – ventos natalinos – a partir de uma consciência histórica e de uma crítica da realidade em perspectiva libertadora? Advento de quem, do que e como?

O evangelho que, hoje, escutamos e partilhamos nos faz olhar a história de forma mais ampla e profunda. Fala da figura do Filho do Homem que, provavelmente, veio do sincretismo da religião cananeia e era comum em todo o Oriente Médio. Traduzia-se no mito de um deus humano que viria reordenar o mundo. Assim, aparece no livro de Daniel 7, do qual o evangelho se inspirou. 

Atualmente, vivemos em um mundo no qual parece que o sol e a lua se abalam e o céu ameaça desabar sobre nossas cabeças, como pensavam os antigos gauleses de Asterix e como temem os Yanomami (lembremos o livro do Davi Kopenawa: A queda do céu). Cada vez mais frequentes e letais, os eventos extremos nos assustam muito. Se focarmos na primeira parte do evangelho de Lc 21,25-26 à primeira viz podemos ser tomados de medo e pavor, mas é preciso ler atentamente o evangelho nas linhas e nas entrelinhas e perceber que a finalidade do evangelho é alimentar a esperança em meio a tribulações.

A boa notícia do evangelho é que em meio a tudo isso, acima das nuvens, portanto, para além da zona de conflito, aparece a figura de uma humanidade renovada. Originalmente, o Filho do Homem é isso: o homem novo, a mulher nova, representada pelo Cristo Ressuscitado. Essa humanidade nova vem de Deus (vem sobre as nuvens), mas tem como tarefa reanimar as pessoas e as comunidades, presas pela desesperança e nos conduzir na luta contra todas as opressões. O evangelho põe na boca de Jesus a palavra: “Quando virem acontecer essas coisas, se levantem, ergam a cabeça. É a libertação de vocês que se aproxima” (Lc 21,28).

Essa promessa nos reanima, mas temos de aprender mais e mais a como nos manter em expectativa e na teimosia da vigilância, mesmo se essa realidade nova parece tardar. Este evangelho insiste em duas atitudes: a sobriedade e a oração. A sobriedade é postura que hoje nos é pedida diante do consumismo e do modelo de desenvolvimento capitalista, que ecologicamente é insustentável e ameaça o planeta Terra. Trata-se da sobriedade do ter e do ser. Viver de forma simples e austera.

A oração tem, hoje, o desafio de refazer uma relação com Deus que não seja apenas rezas e sim postura de comunhão e de intimidade com o Divino em nós, nas pessoas e no universo. Uma coisa é orar no âmbito de uma religião ritual e de um Deus que parece narcisista e cioso de louvor e de bajulação. O outro é a oração em uma perspectiva profética na qual o importante é escutar o Espírito presente nas pessoas e no coração do universo. É penetrar na intimidade do Amor Divino. Isso se dá na relação social com as outras pessoas e com a natureza. É essa a postura de amor que não desiste de esperar e que antecipa em cada momento a certeza da vitória, mesmo nas lutas mais difíceis. É o que explica a resistência de mais de 500 anos dos povos originários e a sobrevivência que teima em ser feliz das comunidades negras e de suas culturas. A memória de tanto sangue derramado e de tanta dor não nos paralisa, mas ao contrário nos estimula à teimosia da luta que sustentamos até o encontro definitivo e a vitória da Vida já antecipados em cada encontro nosso, em cada abraço e no amor que canta o dia de graça que já vivemos desde agora. 

Nos acampamentos e assentamentos de reforma agrária, nos territórios indígenas e quilombolas e em muitas ocupações urbanas nas periferias é possível experimentar que, no meio de tanta opressão e exploração, existem pessoas e comunidades que estão testemunhando de cabeça erguida, alegria no olhar e com muito amor no coração a construção de outro tipo de relações humanas e sociais que apontam que outro mundo necessário é possível e está sendo construído de baixo para cima a partir dos últimos da sociedade. Eis advento: ventos natalinos fazendo irromper o divino no humano.

Cantemos com Zé Vicente, nosso irmão de caminhada:

Se é pra ir a luta, eu vou!

Se é pra tá presente, eu tô!

Pois na vida da gente o que vale é o amor (bis)

É que a gente junto vai

Reacender estrelas vai

Replantar nosso sonho em cada coração

Enquanto não chegar o dia

Enquanto persiste a agonia

A gente ensaia o baião

Lauê, lauê, lauê, lauê

É que a gente junto vai

Reabrindo caminhos vai

Alargando a avenida pra festa geral

Enquanto não chega a vitória

A gente refaz a história

Pro que há de ser afinal

Lauê, lauê, lauê, lauê

É que a gente junto vai

Vai pra rua de novo, vai

Levantar a bandeira do sonho maior

Enquanto eles mandam, não importa

A gente vai abrindo a porta

Quem vai rir depois, ri melhor

Lauê, lauê, lauê, lauê

Esse amor tão bonito vai

Vai gerar nova vida, vai

Cicatrizar feridas, fecundar a paz

Enquanto governa a maldade

A gente canta a liberdade

O amor não se rende jamais Lauê, lauê, lauê, lauê

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