Jo 18,33b-37: FESTA DE CRISTO-REI? JESUS CRISTO, PASTOR DO UNIVERSO – Por Marcelo Barros

Jo 18,33b-37: FESTA DE CRISTO-REI? JESUS CRISTO, PASTOR DO UNIVERSO – Por Marcelo Barros

No olhar da gente, a certeza do irmão: reinado do povo!

Marcelo Barros, irmão monge beneditino, padre, biblista e teólogo da Teologia da Libertação

Neste ano, no XXXIV Domingo do Tempo Comum, o evangelho lido pelas comunidades é o antigo evangelho desta festa: João 18,33b-37. Mostra a cena na qual Jesus está preso no palácio do governador romano. Ele já tinha sido condenado pelo tribunal religioso judaico, o sinédrio. Depois disso, o torturaram e o levaram ao governador Pôncio Pilatos para que esse o interrogasse e o condenasse à morte. O governador Pilatos inicia o interrogatório, justamente pela pergunta: “Tu és rei?”.

Naquela época, um governador romano da província da Palestina jamais se envolveria pessoalmente em uma briga de judeus que ele considerava bárbaros e selvagens, se não tivesse por motivo a acusação de que o condenado fosse um subversivo e estivesse diretamente atentando contra o domínio romano. Se não fosse por subversão política clara, que tomasse proporção séria, jamais Jesus teria ido diretamente até o tribunal do governador. E o letreiro que colocaram na cruz deixa claro o motivo da sua condenação: Rei dos Judeus.

Isso significa que Jesus assumiu ter como missão ser Messias libertador do povo, embora ele se propusesse a cumprir essa missão de forma muito nova e surpreendente. Nesse sentido, ele respondeu a Pilatos: “Tu mesmo estás reconhecendo isso. Sim, eu sou rei. Para isso, nasci e para isso, vim ao mundo, para dar testemunho da verdade e quem é da verdade, escuta a minha voz”.

Isso significa que Jesus veio ao mundo para testemunhar de que Deus não é velhaco ou caloteiro, ou seja, alguém que promete e não cumpre. Jesus veio para testemunhar com a sua vida que as promessas divinas são verdadeiras, se cumprem e que, portanto, ele não é profeta falso. O reinado divino, de fato, acontecerá no mundo. Ele ensinou os discípulos a orar: “Venha a nós (para este mundo) o teu reino”.

Há algum tempo, um grupo de teatro encenou uma peça que retratava a chegada de romeiros do Padre Cícero a Juazeiro do Norte. E aquele grupo, para criticar a aparente alienação dos devotos, os mostrava como uma procissão de gente faminta, estropiada, que, entretanto, cantava o salmo 23: “O Senhor é o meu Pastor. Nada me pode faltar”. Cantavam isso não como protesto para denunciar que aquela profecia não se cumpria e sim como se, de fato, sentissem na sua vida essa proteção. Depois, emendaram com o cântico atribuído a Maria: “O Senhor fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome”

Sem dúvida, a contradição entre a promessa divina e a realidade da vida é o desafio maior para a nossa fé. Até hoje, há pessoas e grupos cristãos que dividem o natural e o sobrenatural, o material e o espiritual. Continuam pregando a mesma coisa que, desde o tempo da colônia, a Igreja pregava aos escravos: se conformem com a tragédia social em que vivem. Assim, quando vocês morrerem, vão para o céu. Hoje, todos sabemos que Jesus não quis isso, não pensou assim e morreu para que isso não fosse assim.

Celebrar, hoje, a festa de Cristo como rei é retomar as palavras dele a Pilatos. Ali ele estava pobre e quase nu, torturado e despojado de tudo, como aqueles devotos da procissão da peça de Juazeiro. No entanto, mesmo vivendo aquela situação de cruz, ele reafirma que o reinado divino acontece e que ele e nós (todas as pessoas que escutam a sua palavra) damos a vida para tornar essa Palavra de Deus e a suas promessas verdades no mundo atual. Não através da luta pelo poder. E Jesus diz a Pilatos: O meu reinado não é vivido do modo ou nos métodos deste mundo. Ele nos pede a ação não violenta ativa, mas que seja firme como ação pela Justiça como condição indispensável para a Paz e seja transformadora do mundo.

Atualmente, as monarquias só são valorizadas por grupos nostálgicos e conservadores, além das Igrejas cristãs que se sentem mais poderosas, ao proclamarem que Jesus é rei do universo. Quando em 1925, o papa Pio XI instituiu essa festa de Cristo Rei, muitos suspeitaram que ao insistir em dar esse título a Jesus, o papa que tinha perdido os territórios pontifícios, estava defendendo o direito da Igreja, como legítima herdeira de Cristo, ter propriedades e poderes sobre o mundo.

Para nós que vivemos a caminhada do Cristianismo da libertação, essa celebração se tornou ocasião para acentuarmos a mística do reino de Deus, que nem sempre as Igrejas fomentam. Essa festa deve nos ajudar a aprofundarmos a dimensão social e política da fé – ou seja, a realização do projeto divino no mundo atual.

Quando o papa Francisco instituiu “o dia mundial dos pobres”, na América Latina, alguns pensaram que a festa litúrgica mais adequada para essa comemoração seria justamente a festa de hoje: Cristo servidor e pobre, irmão e libertador de todas as pessoas e comunidades empobrecidas.

Na celebração da festa de Cristo-Rei em 1970, Dom Helder Camara encerra assim a sua meditação:

“Como entendo Teilhard, nas Ladainhas que gostava de inventar!

“Jesus, Coração do Mundo

Essência, Motor da Evolução

Coração do Coração do Mundo

Essência de toda energia

Curvatura cósmica

Saída da cosmogênese

Fluxo de convergência cósmica

Deus da evolução

O Universal Jesus

Coração da evolução

Lareira da energia

última e universal

– uni-nos a Vós”!

(142ª Circular – 21/22. 11. 1970) )[1].

No ano seguinte, na festa de Cristo-rei, escreveu o seguinte poema:

“Cada vez menos”.

“Te imagino Rei,

a não ser com manto de estopa,
coroa de espinhos e cetro de zombaria…
Vejo-Te Operário, Astronauta,

Escafandrista, Enfermeiro…

mas, acima de tudo,
– temo que não me entendam,

como tenho certeza

de teu entendimento total –

Vejo-Te Palhaço,
espantando a tristeza,

acendendo alegria,
ajudando a salvar a Criança

que não deve morrer em nós…”

Recife, 20/21.11.1971 (324ª Circular).


[1] – DOM HELDER CAMARA, Circulares Ação Justiça e Paz, Volume V, Tomo II, CEPA, Recife, p. 208.

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